Artigo
Público
Quando as
nuvens se dissipam depois de largarem as primeiras chuvas do Outono, as
florestas portuguesas começam a receber a visita de milhares de pessoas que
apenas olham para o chão. Cesto de vime no braço, esgravatam com um pau a manta
fofa e húmida à procura de cogumelos comestíveis, continuando um hábito que se
perde na memória dos tempos mas que, nos últimos anos, começa a ser fonte de
preocupações. Depois de intermediários de negociantes espanhóis e franceses
aparecerem nas aldeias a oferecer milhares de escudos por cada quilograma de "boletos"
ou de "lactarius deliciosus", o que era uma actividade local sustentável
tornou-se num negócio que está a provocar uma violenta agressão aos ecossistemas
florestais.
Famílias inteiras do planalto de Miranda do Douro deixam as suas
actividades agrícolas suspensas e dedicam-se durante estas semanas a vasculhar
os bosques. Não há um recanto que não seja removido e os efeitos desta predação
levaram finalmente os responsáveis pela conservação da natureza a equacionar a
possibilidade de legislar a actividade. Como acontece, por exemplo, em Itália,
onde há dias da semana fixados para a apanha, a quantidade recolhida tem limites
e há zonas que são inclusivamente colocadas sob reserva. Esta preocupação não se
justifica apenas pela preservação dos cogumelos silvestres: é a própria
sustentabilidade da floresta que está sob ameaça. Os cogumelos, recorde-se, são
o "instrumento" de reprodução do micélio, a teia subterrânea onde se decompõe a
celulose em azoto e em anidrido carbónico que são indispensáveis para o
crescimento das árvores.
Pela sua efemeridade e beleza ou pelo seu valor nutritivo e
ambiental, os cogumelos silvestres são cada vez mais objecto de verdadeiras
paixões. "Isto é como uma bola de neve. A gente vai-se encantando cada vez mais
com os cogumelos e depois não consegue parar", diz Xavier Martins, um
ortopedista de 47 anos que trabalha no Porto e que tem a micologia como "hobby"
principal. Apesar de ser um "desporto" em crescimento, em Portugal existem
apenas duas associações micológicas, a "Pantorra", de Mogadouro, e a "Marifusa",
de Miranda do Douro, e ao nível universitário, só em Lisboa, na Faculdade de
Ciências, se encontra um departamento de micologia. Em Espanha, Itália ou nos
Estados Unidos há milhares de associações de admiradores de cogumelos.
Infelizmente, o objecto de adoração dos micólogos só se revela na
Primavera e no Outono, quando a combinação da temperatura e da humidade faz
brotar os cogumelos. Em todo o mundo há cerca de 50 mil variedades diferentes e
em Portugal estão identificadas cerca de 300 espécies - num encontro micológico
promovido pela "Pantorra" em Mogadouro, foram recolhidas centena e meia de
variedades. Compostos essencialmente por água (entre 80 a 90 por cento), os
cogumelos nascem, crescem, vivem e morrem num espaço de aproximadamente uma
semana. A maior parte são tóxicos e muitos são mortais - Mássimo Candusso, um
micólogo italiano, diz que "todos se comem, mas alguns só uma vez...".
As espécies utilizadas na alimentação têm nomes que variam imenso
de região para região e a sua colheita exige um conhecimento profundo da sua
morfologia. Nas aldeias, esta sabedoria passa de pais para filhos, mas com a
ajuda de um mestre e de um bom manual de micologia é possível a qualquer um
distinguir um "lactarius" de um "boleto" ou de um "lepiota procera", por
exemplo. Mas, mesmo depois desta distinção, há um código de procedimentos que
convem seguir. Xavier Martins recomenda que não se apanhem cogumelos logo depois
das primeiras chuvas por serem susceptíveis de transportar produtos tóxicos
provenientes da agricultura ou de outras fontes de poluição. Cumpridas estas
exigências, os cogumelos bem cozinhados tornam-se autênticas delícias.
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