PAULITEIROS, é prática muita antiga, em Bemposta. Há
testemunhos e fotos, desde 1912. Era também tradição do grupo de
pauliteiros, apanhar a esmola para a Festa
D.Noticias 21/08/2006 /
Maria José Margarido /
Rui
Coutinho (foto
Para combater o tédio de ser pastor e cabreiro, Ângelo Arribas, agora
com 70 anos, iniciou-se na flauta. Ao fim de algum tempo, já dominava
três modas, ensaiadas perante a pose dócil e atenta das ovelhas. Eis
senão quando um dia, ao chegar a casa, o seu irmão mais velho lhe ordena
que, acompanhado da flauta mas sem ovelhas, se dirija a uma boda na
aldeia - onde os tocadores, por um sério
problema de agenda ou potente ressaca, não tinham comparecido.
Envergonhado do seu parco reportório de três músicas e do pé descalço,
em tão auspicioso momento, o jovem pastor explicou aos nubentes e
patrocinadores da boda que era a sua primeira vez, mas lá tocou as três
modinhas repetidamente, com grande aclamação, entre as cinco da tarde e
a uma da manhã.
Foi a rampa de lançamento para uma brilhante carreira, que evoluiu para
a gaita, repescando a tradição dos mais velhos. Acabou mentor de grupos
de pauliteiros em Miranda do Douro e arredores, sendo o seu talento
preferido pelos gaiteiros aspirantes, que não estão para aturar o ritmo
marcado por uma pauta fixa. O curriculum vitae que agora exibe
comprova-o: participação em programas de Júlia Pinheiro, casamento de
SAR duque de Bragança, "miss Portuga" (a omissão do l é intencional,
porque é assim que o evento é pronunciado por quem nele participou) em
Vilamoura. Com os pauliteiros de Miranda do Douro e da Bemposta viajou
pelo Brasil, Macau , Tailândia, Arábia (não
tem a certeza de ser a Saudita), Alemanha, França, Espanha, Inglaterra e
Marrocos.
Com a reforma, dedicou-se, entre tournées, ao fabrico das gaitas.
Hoje, na sua função de mestre, para além de algum ensino a jovens que
querem aprender, faz soar no planalto duriense a sua gaita, acompanhado
do neto Dinis e da neta Anita, num trio adequadamente apelidado de Al
son de las Arribas del Douro de Freixenosa. Pode ser encontrado, por
estes dias, na barraca que vende instrumentos tradicionais, perfilada ao
lado das outras na rua que sobe para as festas anuais de Miranda do
Douro.
“Um dos patrimónios artísticos e culturais mais típicos de Terras de
Miranda é, sem dúvida, o seu folclore, com as suas danças de
Pauliteiros.
Notícias da história dão os pauliteiros originários dos povos
indo-europeus, que se disseminaram pela Europa Central, da
Escandinávia à Península Ibérica.
Vieram, depois, os celtiberos e deram um ar da sua graça,
substituindo as originais espadas pelos actuais paus.
Apetrecham-se as mãos com as armas dos tempos mais modernos. Os
paulitos chamam-se palotes e os dedos têm o complemento das
castanholas, para a música de fecho do lhaço.
Porém, a origem da dança dos pauliteiros não recebe unanimidade dos
estudiosos que sobre ela se debruçaram. O P.e João Manuel de Almeida
Morais Pessanha e outros autores atribuem a sua origem à clássica
dança pírrica, guerreira por excelência. A dança mirandesa dos
paulitos teria origem na dança pírrica dos Gregos, mas manifesta
também vestígios de danças populares do sul de França e na dança das
espadas dos Suíços na Idade Média. Os romanos seriam os responsáveis
pela propagação da dança pírrica a esta região.
O Dr. José Leite de Vasconcelos não aceita esta teoria,
justificando que a dança introduzida em Roma, e depois espalhada
pelo império, nada tinha em comum com a dança pírrica.
-
O tamboril
é um pequeno tambor que se toca com duas baquetas. É um instrumento
de especial agrado dos mirandeses.
- A
gaita-de-foles é a clássica gaita pastoril ou gaita
galega, mais estridente, por via de regra, do que as similares da
Galiza: é também mais tosca, e por isso mais típica.
-
A flauta pastoril,
mono tubular de três buracos, em mirandês fraita, feita ao torno
manual, é de pau de buxo, ou de freixo e tocada só com três dedos
duma mão: o polegar, o indicador e o médio.
Os buracos são abertos ao fundo, dois na frente e um na retaguarda.
Os buracos da frente são utilizados pelos dedos indicador e médio, o
buraco da retaguarda
pelo polegar da mão esquerda, enquanto a direita toca o tamboril
com a baqueta.
- As castanholas
são feitas à navalha e enfeitadas com desenhos à ponta da mesma
navalha.
Também em Bemposta, influenciada pelos costumes do planalto
Mirandês, existiu um rancho de pauliteiros e mais tarde de
pauliteiras.
Como forma de animar os dias festivos e, na falta de banda de música
ou outra forma de “ dar música”, em muitas aldeias foram criados
ranchos folclóricos. Sempre que era necessário pedir a esmola para
os Santos e festividades, ou acompanhar as procissões, muitas vezes,
recorria-se aos pauliteiros.
De acordo com a sua história, quando pediam esmola, as danças eram
executadas conforme o tipo de esmolas. Se a esmola era avultada,
tinham direito à dança completa, “ posso em quatro ruas”. Se a
esmola era pequena, então, a dança era só meia, isto é, “executada
em duas ruas”
Pensa-se que, em Bemposta, já em 1912 haveria um rancho, dado que
alguns homens, como um tal Alberto Curralo e um tal Pascoal, homens
de avançada idade, já dançavam os paus. Este rancho era só
constituído por homens, pois não era permitido ser de mulheres ou
misto.
O grupo de pauliteiros é constituído por 8 elementos, quatro guias e
quatro peões.
A função dos guias é conduzir o desenrolar da dança, permanecendo
quase sempre no mesmo lugar, girando apenas sobre si. Já os peões
são aqueles que têm que se deslocar durante toda a dança, indo ao
batimento dos paus nos guias.
“As danças desenrolam-se, todas elas, com os elementos colocados em
duas filas”.
Segundo os dados recolhidos pela Comissão de Festas de Santa
Bárbara, o grupo de pauliteiros de 1918, era constituído pelos
seguintes dançadores:
Guias: José Francisco Garcia
Domingos Manuel Bruçó
José Francisco Machado
António Valeriano Neto
Peões: Serafim Luciano da Trindade Machado
Manuel António Fernandes
António Joaquim Bernardo
José António Marta
Gaiteiro: António Luís Alves
Tamborileiro: Manuel Inácio Granado
Caixeiro: Francisco Custódio
“Este grupo acabou em 1961. A sua última actuação, como data
memorável, foi inscrita na Igreja Matriz, onde na “pia da água
benta” feita de mármore e localizada à entrada da igreja, na porta
lateral, se podem ler as seguintes iniciais: “ F.S.B. 1961”, (Festa
de S.ª Bárbara, 1961).
Quanto ao vestir, “os dançadores vestiam saia, camisa branca de
linho, colete preto enfeitado com cordões de ouro ou a sua imitação,
meia branca de renda feita de algodão, até ao joelho, xaile pelas
costas dobrado em triângulo e atado à frente do pescoço, todo ele
enfeitado com fitas tendo no topo frontal um grande penacho”.
Os sapatos eram os de uso comum da época.
“ A saia era feita com lenços iguais aos que as mulheres usavam pela
cabeça, para se cobrirem, geralmente escolhidos de cores garridas.
Estes lenços eram atados à cinta, por meio de um cinto vulgar de
cabedal”.
Por baixo destas saias usavam calças arregaçadas, por cima do
joelho, tipo calção curto, e atadas às pernas para que durante a
dança não caíssem.
Toda a outra indumentária tinha vários adereços, conforme as
necessidades do dançador.
Para lá de dois paus, o dançador usava também um par de castanholas
em cada mão.
Os restantes complementos são iguais aos usados pelos Pauliteiros de
Miranda.
Quanto aos laços, ou passos de dança, era tocados ou danças sem
serem cantados. Mas todos eles têm subjacente uma letra própria.
Entre as letras mais conhecidas e cantadas em Bemposta, contam-se: a
Bitcha, Meia Dança, D. Rodrigo, o Prim, o Vinte e Cinco, As
campanitas, Laranjeira, o Castelo, as pombinhas da Catrininha, os
Ofícios, a Esmola, Juan António (Padre António), a Taira, o Vira e o
Fado.
Como as saudades de um tempo passado eram grandes e a renovação
cultural voltou a ser uma marca das populações, em 1980, alguns
dos antigos dançadores, entre eles, o sr. Artur Líbano, tiveram
a feliz ideia de reconstituir os Pauliteiros de Bemposta. Na
impossibilidade de motivar os rapazes, e contra a tradição, foi
criado o rancho das Pauliteiras, “ raparigas cheias de vontade
de aprender e continuar no tempo o estilo de dança dos seus
antepassados”. Só os instrumentos continuavam a ser tocados pelo
sexo masculino. Houve algumas dificuldades financeiras. Mas com
a ajuda dos dirigentes da Casa do Povo, foi possível dar asas a
este projecto. Ficou conhecido como “ Grupo de Pauliteiras da
Casa do Povo de Bemposta – Mogadouro”. Tendo bandeira própria.,
conforme se refere no fascículo lançado pela Comissão de Festas
de Santa Bárbara, de 1999, pág. 14.
Na festa de Santa Bárbara, em 1980, foi realizada a sua
primeira actuação. Seguiram-se outras actuações em vários locais
do distrito.
Este grupo de Pauliteiras teve o cuidado de manter o mais
possível a tradição, quanto à vestimenta. Apenas as saias
deixaram de ser feitas de lenços, e passaram a “ser feitas de um
pano de cor azul escura, debruadas na sua parte fundeira, com
duas faixas de veludo de cor vermelha.”
“ Esta forma de vestir aproxima-se bastante dos antigos saiotes
de burel que as mulheres usavam antigamente.
As calças arregaçadas, utilizadas pelos antigos dançadores, por
baixo da saia, foram substituídas por calções de perna alongada
até junto do joelho.”