Geografia humana de Bemposta - Mogadouro
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BEMPOSTA

 
 
 

 

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DA TRADIÇÃO À EMIGRAÇÃO 

 

            A desertificação nota-se também nos modos de assistência e de serviços tradicionais na aldeia. As pessoas sentem-se inseguras com a falta de assistência médica (recorrem a médicos espanhóis nas aflições), de enfermagem, de professores e de quadros.

            Longe vão os anos em que Bemposta tinha médico residente e a ele recorria noite ou dia. Ainda hoje, o Dr. Carolino é lembrado com estima e saudade. Até o Sr. Sebastião é recordado com saudade, pela sua sabedoria e disponibilidade para ajudar. Havia, ainda, na Casa do Povo, um funcionário de secretaria e uma auxiliar de enfermagem, sempre prontos a auxiliar o povo. Por outro lado, centros de lazer ou informação são quase nulos. A criação do Centro Cultural e Recreativo poderia ser uma boa alternativa. A dinâmica e motivação por outros objectivos parece que estagnou ou cristalizou. Talvez a crítica e a maledicência esteja a levar à falta de objectivos comuns e à ausência de capacidade de luta que caracterizou os nossos antepassados. A magia da força comunitária está em desagregação. O individualismo será sinónimo de deserção social.

Face à movimentação das populações as festas de Verão passaram a estar centralizadas na festa de Nossa Senhora dos Prazeres, que mudou do Domingo de Pascoela para o 2º Domingo de Agosto. Era esta festa que servia e serve de ponto de encontro de toda a diáspora bempostense.

Os mais novos têm Jardim Infantil e um O.T.L. que lhes permitem um apoio no seu desenvolvimento global.

Os mais velhos, finalmente, têm um Centro de Dia. Aí, são-lhes fornecidas refeições  e podem conviver uns com os outros com algum conforto. São apoiados por três funcionárias e uma viatura do centro que vai distribuir as refeições aos idosos que ficam nas suas casas. Futuramente terão novas valências. Mas não basta. Novos projectos de desenvolvimento e apoio estão a fazer falta.

 

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A CASA TRADICIONAL 

 

( Para Memória Futura - ver casario )

 

“Nas suas relações, os habitantes desta região são sociáveis e hospitaleiros, agasalham os hóspedes com a melhor roupa e dão-lhe o melhor que têm, em sua casa. De resto, eles vivem para a sua casa e para a sua família, assistem à missa aos domingos e, nas noites grandes de Inverno, reúnem-se com toda a família na lareira, à volta do braseiro, trabalhando, cantando e rezando”.

“A alimentação tradicional é relativamente frugal e simples, reduzindo-se, na substância e máxima força, ao pão em abundância, trigo ou centeio, moído nos seus moinhos e cozido nos seus fornos (existindo em algumas aldeias um forno colectivo para quem o não tem em casa), legumes colhidos nas suas hortas, batatas e hortaliças, carne de porco e, esporadicamente, carne de carneiro, cabrito, vaca ou vitela da mais saborosa que se cria em Portugal”.

            “A tradicional população rural portuguesa já se encontra em vias de extinção no Nordeste Transmontano e poucas pessoas são assalariados rurais. Mas, se nem todas as pessoas possuem grandes propriedades, a verdade é que quase todos os transmontanos têm um pedaço de terra a que podem chamar seu e que lhes dá que fazer durante todo o dia. E se há umas décadas atrás, a maioria desta população se orgulhava de trabalhar a terra, neste momento, em redor de algumas freguesias, os campos vão ficando abandonados”, escrevia-se num artigo do jornal do Planalto Mirandês.

             Nos anos 60/70 a procura de novos modos de vida levou ao êxodo dos campos. Em Bemposta, apesar da sua riqueza agrária, muita das suas gentes era jeireira /obreiros. Existiam meia dúzia de casas grandes, para quem muitos outros trabalhavam à jeira ou como criados. A consciencialização de novos modos de vida leva estas gentes ao processo de emigração. A falta de condições económicas, educativas e de saúde, leva a uma insatisfação. A aventura passou a fazer parte do ser de alguma destas gentes. Mudar de vida, “ de assalto”, com passadores, ou com a “ carta de chamada”, era a solução para a sua aventura. Se a princípio as dificuldades de adaptação foram enormes, com o tempo a socialização/aculturação facilitaram a integração nas novas sociedades de acolhimento. Uma nova vida se perspectivava. O trabalho passou a ser rentável. Novos hábitos de ser/ estar foram adquiridos e interiorizados. As férias, em Agosto, agora, eram uma mistura de “ avecs” (assim chamados, no início, os emigrantes de maioria “franceses”), com os seus novos comportamentos, confrontados com a realidade tradicional. A aldeia passou a ter mais colorido. Novos imaginários são construídos.

             Estes factos vieram transformar, por completo, a estrutura agrária de Bemposta e localidades vizinhas. Os que por cá ficaram, por amor às terras que possuíam, passaram a ter falta de mão-de-obra. Os modelos agrários tradicionais foram substituídos por maquinaria. As grandes casas tradicionais começaram a diluir-se, uma vez que os próprios filhos/herdeiros começaram a deixar o cultivo das terras, para se deslocarem para as cidades, na procura de uma formação intelectual e sócio-económica mais adequada à realidade em desenvolvimento. Por outro lado, o aumento considerável das jeiras deixou os proprietários das terras sem alternativa. Tudo encareceu, menos os produtos agrários. A venda ou o abandono das terras começaram a ser uma das soluções.  

            Nos campos, agora, só se vêem pessoas já com certa idade.

Alguns jovens, filhos de pequenos agrários ou de jeireiros/obreiros, porque não querem abandonar a sua terra, estão cada vez mais desmotivados para se dedicarem, a tempo inteiro, à agricultura. Outros emigram para os grandes centros urbanos ou para o estrangeiro, na procura de maior rentabilidade para o seu trabalho. Depois do Brasil, da África Ultramarina, da França e outros países, a Espanha passou, nos últimos tempos, a ser o “ el dourado” de muitos jovens de Bemposta, que se dedicaram à construção civil. Com o dinheiro poupado, os emigrantes começam a comprar terrenos de cultivo, cada vez mais seleccionados. O domínio dos mais ricos, na posse de campos agrários, sobre os pobres, sem terra agrária, a não ser umas hortas e um ou outro campo, foi-se transformando. Muitas famílias recebiam, do chefe de família emigrado, remessas importantes, que iam armazenando no banco. O poder económico passou a estar nas mãos dos emigrantes ou dos obreiros/jeireiros.

A nova Bemposta, a transformação das casas tradicionais, os novos bairros com as suas casas de arquitectura moderna, marcam já uma época na vida dos bempostenses. A qualidade de vida começa a chegar a Bemposta.

            Porém, em termos de vivências, Bemposta, como todo o Nordeste Transmontano, está a ficar cada vez mais triste, animando-se somente no Verão, quando chegam os emigrantes e alguns dos migrantes internos por saudades familiares e retorno à sua identidade matricial.

            A maioria dos jovens que consegue entrar na Universidade para tirar cursos superiores, no fim das suas licenciaturas, raramente regressa a Trás-os-Montes.

            Os jovens emigrantes só aos fins-de-semana, ou no Verão, dão vida ao “ Santo Cristo”, verdadeiro centro social e cultural da aldeia.

            A coesão social que Bemposta possuía tem vindo a perder-se. O “espírito de nós” é já uma miragem. É triste verificar que muitas das famílias tradicionais e outras, quer pela migração, quer pela emigração, têm vindo a abandonar as suas raízes bempostense. Bemposta tem um conjunto de cidadãos seus espalhados pelas diversas latitudes continentais, mas muitos esqueceram-se das raízes que os viram nascer.

Escrevia Trindade Coelho:” Louvado seja Deus, aquela casa da Tia Maria Lorna era das mais remediadas lá da aldeia e até das mais alegres. Tinha por fora uma varanda de pedra para onde subia por degraus também de pedra; em baixo as lojas, onde os laregos e uma burra se arrumavam; a tulha; uma despensa; e ao lado, arrumada a ele, a grande curralada dos bois, enorme, atulhada de feno e de palha nas sobrelojas, com uma quadra muito espaçosa para as ovelhas, quando as ovelhas não pernoitavam pelas terras, farta manjedoura prás vacas, e a um recanto, no chão, a cama onde ficava o moço. Na varanda estava sempre o Caramujo, um demónio de cão pequeno muito assanhado…”

É assim que, a casa típica de Bemposta não se diferencia muito da casa típica do Planalto Mirandês, de que fala Trindade Coelho, contudo, diferencia-se bastante das outras regiões de Portugal. Na parte genuína da aldeia, o casario é pobre e arcaico, as paredes são feitas de pedras pequenas, umas sobre as outras, habilmente dispostas sem reboco exterior. Só os cunhais levam pedras maiores e travadas. A disposição é um concentrado de tal modo, que as casas formam uma sequência contínua e compacta, com arruamentos estreitos e concêntricos. A sua origem deve remontar aos castros romanos e a sua concentração deve ser devida a razões económicas, histórico-culturais e como meio de defesa, contra possíveis ataques. Basta destacar a zona de S. Sebastião, a Praça e rua do Castelo e o seu emaranhado. Por outro lado, sendo a igreja o centro do poder espiritual (para o homem religioso tradicional, fonte de todo o poder), não admira que seja a partir da igreja que se constroem as casas e arruamentos. Quanto mais perto ficasse da igreja mais imbuída estaria pelo poder, que Deus irradia. Daqui que, quando a população de Bemposta aumentou, se centralizasse em volta da capela de S. Sebastião (1ª Igreja Matriz) com as suas ruas estreitas e convergentes.   

Também o factor climático, os fracos recursos económicos e o instinto de sociabilidade, influenciaram a concentração do habitat rural.

Estas casas são geralmente de planta rectangular, construídas com materiais da localidade, o granito, quer em alvenaria, quer em perpianho para os mais abastados.

            Tradicionalmente, a casa de Bemposta pode ser dividida em três tipos, segundo a estrutura económica do seu proprietário: a casa de dois pisos com varanda, a casa de dois pisos sem varandas e a casa de um único piso.

A casa de dois pisos, normalmente com varanda, é formada por um pavimento térreo, destinado às cortes de animais ou recolha de alfaias e produtos caseiros, incluindo a adega, e por outro, elevado, servindo de habitação. Em muitas casas as paredes são mais cuidadas, possuindo uma varanda, coberta com o prolongamento do telhado e com acesso por escadas/ escaleiras exteriores de granito, ora paralelas ora perpendiculares a meio, ou numa das extremidades da parede, que dá para a rua. Outras podem ter a escadaria no interior em madeira.

            Em muitas casas, mais abastadas e religiosas, encontramos um oratório /nicho, onde faziam as suas rezas para se sentirem mais protegidos, face aos perigos que a vida acarretava.               

            Tanto as janelas como as portas nas casas mais pobres, são toscas e escassas, feitas com madeira da localidade. Algumas portas são fechadas por postigos interiores, de um só batente, por vezes, substituídas por janelas, postigos ou simples óculos, cuja moldura tanto pode ser de cantaria como de simples tronco de árvores. Tradicionalmente as portas giravam sobre duas quiçoeiras metidas em dois buracos, feitos na soleira e na padieira/ombreal.

             Muitas vezes, por baixo ou ao lado das janelas, aparecem poiais para colocação de vasos, com flores.

            Possivelmente, o tipo de cobertura mais antigo era o colmo, remontando a sua origem aos castros, uma vez que a telha só apareceu, entre nós, depois da romanização. A telha de canudo foi a que mais se utilizou na aldeia.

Nas casas com varanda, com ou sem escaleiras, muitas vezes, o telhado prolonga-se, protegendo-a e abrigando-a. A varanda faz parte do edifício, sendo de grande utilidade para o proprietário, não como elemento decorativo, mas como compartimento necessário às actividades e ocupações da família. Nela põem a roupa a secar, dependuram as cebolas, pousam a abóbora e outros produtos agrícolas, ou abrigarem os seus habitantes que aí vão trabalhar. Tradicionalmente, a varanda tem servido para as pessoas se sentarem, ou para fiar a lã e o linho, ou remendar, ou ainda partir as couves para o caldo (sopa) e a fazer serão, na época de Verão, pois “no luar de Agosto, há suor pelo rosto”.

O tipo de varanda pode variar entre a singeleza da madeira ou a construção em perpianho. Tanto pode ter protecção de madeira ou ferro artístico, como ainda pedras de granito ou não ter nada.

 A varanda não tem lugar definido na casa, pois tanto pode estar virada ao sul, a nascente ou a poente. Mas dá sempre para a rua, ou para o curral, se a casa tem pátio interior. O espaço por baixo da varanda é geralmente utilizado como pocilga e poleiro para as galinhas, “pitas,”assim como entrada para a “casa de baixo”/ rés-do-chão.

Nas casas dos proprietários mais abastados, onde a lavoura assim o exige, podem aparecer ao lado da habitação de dois pisos, os anexos: curral, palheiros, loja dos animais, lagareta, adegas, forno, etc.

Para o curral entra-se por uma portada de grandes dimensões, para recolha dos fenos e palha. A parte de dentro dá para um pátio aberto, à volta do qual se situam várias lojas para recolha de animais. Na parte fechada, tudo é confusão, grandiosidade e humildade. As galinhas andam livremente, muitas vezes, entre outros animais. Ao entrar, distingue-se, no meio da escuridão, uma mistura de alfaias agrícolas, lenha, carro de bois, ferramentas espalhadas pelos cantos, grandes teias de aranha e até a ratazana destemida. Nas cortes dos animais, com portas grandes, grossas e toscas, aparece o “treatro”, estrado elevado num dos lados, ou a meio da arrecadação, ou corte dos animais, onde colocam a palha/ fenos ou folhagem tirada directamente do carro de bois.

            Pode ainda aparecer um cabanal para guardar a lenha e as alfaias agrícolas.

            Os materiais utilizados na sua construção dependem dos recursos do solo, do clima e da situação económica do seu proprietário.

Nas casas de dois pisos, sem varanda e sem curral, o rés-do-chão é, quase exclusivamente, para resguardo dos animais, normalmente, muares.

A localização da corte dos animais, no rés-do-chão, tinha como finalidade, por um lado, aquecer, com os animais, os compartimentos da casa. Por outro lado, era uma forma de maior ligação afectiva, comodidade na alimentação, posse e vigilância de todos os haveres móveis, os animais. O cheiro dos animais e das suas camas não era problema para o agricultor, acostumado à sua convivência. Sabe-se que este facto foi o culpado por muitas doenças contagiosas e não só!

            Nas cortes laterais ou do piso inferior, deitam palha para servir de cama aos animais, a qual é retirada, e substituída por outra, quando está curtida, sendo então utilizada como estrume para as batatas, feijões e outros legumes.


            Porém, quando as posses não eram suficientes, nem as necessidades tão exigentes, a casa rural podia ser apenas de um piso térreo e apenas com uma porta, ou possuindo uma janela ou fresta. Estas casas são constituídas, apenas, pela cozinha e um ou dois compartimentos acanhados, que servem de quarto, onde dormem várias pessoas. São casas térreas e o seu mobiliário reduz-se a uma ou duas camas (quando as há), uma mesa, escano de cozinha e alguns bancos. Nas cozinhas, onde se reúne a família e se fazem os serões de Inverno, nem sempre existe chaminé, pelo que o fumo se espalha pela casa. Nestas casas, muitas vezes, as camas eram constituídas por “tarimbas” ou “catres”, simples estrados de madeira, onde se coloca um “xeragão” de estopa, cheio de palha não trilhada, em colmo.

             Estas casas, normalmente, pertencem aos jeireiros e apenas vivem com os familiares, em comum, dado não haver compartimentos e não possuírem animais.

 Estrutura interna


            O interior de algumas casas, mais tradicionais, é de uma extrema simplicidade, com paredes negras devido à falta de saída do fumo, que se espalha pela casa toda antes de sair pelos buracos das paredes, portas e interstícios das telhas. As casas com um único piso são escuras (a luz entra por pequenas aberturas), desconfortáveis, de mobiliário tosco e escasso. Regra geral, não são forradas, tendo apenas como suporte do telhado uns troncos grossos e imperfeitos, de castanheiro ou negrilho/olmo. Estas casas, quando assoalhadas, são-no com madeiras da região, serrada pelos serradores nos “ burros”, num dos largos da aldeia.

            Durante o longo período de Inverno fazem grandes fogueiras, para aquecer a cozinha, compartimento onde passam a maior parte do tempo.

            As casas de dois pisos têm mais compartimentos: cozinha, sala e quarto ou quartos. As divisórias são de tabique/estuque. Os compartimentos mais importantes são a sala e a cozinha. São estas que, normalmente, dão para a rua, por uma janela ou porta. A primeira tem um carácter mais cerimonial, destina-se essencialmente a receber visitas, ou a acontecimentos festivos como a visita pascal, casamentos, etc.

            Os quartos são interiores e pequenos, normalmente sem janelas. A cama está encostada à parede e apenas possui uma mesinha de cabeceira e, às vezes, uma arca simples, para guardar a roupa. Não existem instalações sanitárias. As pessoas vão a certos lugares pouco devassados, próximos das casas, ou à loja dos animais.

            Nestas casas encontram-se móveis de fabrico artesanal, que têm passado de pais para filhos. O mobiliário das salas é geralmente constituído por uma mesa quadrada ou rectangular de quatro pés, por vezes, unidos por travessas. À sua volta colocam cadeiras ou bancos corridos, ligados por tábuas ou prumos verticais, lisos ou, raramente, torneados. As cadeiras são fortes e resistentes e o seu assento também é de madeira lisa. Algumas cadeiras, em certas casas, já apresentam trabalhos artísticos, ou o acento em palhinha. Nas paredes são colocadas imagens e quadros de santos da sua devoção, normalmente o Sagrado Coração de Jesus ou de Maria, além de outros santos.

            Nessa sala, como em qualquer compartimento, existem arcas ou caixas formadas por simples tábuas nuas e lisas, assentes no chão sobre quatro pés, ou duas travessas de madeira. Muitas vezes, estas são apenas caixas/recipientes, onde o comerciante recebeu as louças.

A cozinha é o compartimento principal da casa, pois é lá que as pessoas passam a maior parte do tempo, principalmente durante os Invernos rigorosos, quando os trabalhos do campo não exigem a sua presença. Consta de um louceiro e bancos em redor da lareira. 

É no louceiro que guardam a pouca louça que serve as necessidades da cozinha. A parte de baixo é fechada, com portas, onde também guardam a comida. É nele que, numa bacia grande, lavam a louça. Pode ainda constar de uma cantareira, onde  se encontram as cântaras de barro, a meio-tombo, cheias de água, para matar a sede e servir a cozinha.

Em algumas casas, o escano com ou sem perguiceira (serve de mesa, de baixar) faz igualmente parte do mobiliário. Existem, igualmente, os bancos individuais, os “ motchos”, que são de madeira tosca e grossa e semi-circulares ou rectangulares, assentes em três ou quatro pés de madeira.

É na cozinha que a família se reúne às horas da refeição, realiza as tarefas caseiras e passa o serão à roda da lareira. Esta situa-se, normalmente, no meio da cozinha e é formada por uma grande pedra de granito ou laje, rebaixada, o murilho, arranjada na localidade, sobre a qual se acende o lume. É em redor deste que se colocam os potes de ferro, com capacidade desde 2 a 8 litros, ou mais. Da lareira, ou simplesmente do tecto, são penduradas as lares, formadas por argolas de ferro encadeadas, que suportam as latas/caldeiras, onde aquecem/fervem a água, para as necessidades, ou preparar os alimentos para os animais. É aí que colocam a caldeira com a vianda para os suínos.

Nas cozinhas mais rústicas, a chaminé é alta e larga, tem dois metros quadrados de boca e, por isso, cozinha-se debaixo dela.

Mas, normalmente, o chupão tradicional só tem um metro quadrado de boca, pelo que se cozinha fora dele. O fundo ou boca é de granito e consta de sete peças: dois cachorros, formando os lados da frente; dois parelhos, peças laterais; uma frente; duas traseiras. Da boca para cima, a construção é de tijolos ou de madeira revestida de barro ou cimento e vai estreitando à medida que sobe, formando ao todo uma pirâ­mide quadrangular. No cimo é arrematada com uma chapa artística ou simplesmente por uma laje, para a água da chuva não entrar na lareira.

             Como mobiliário mais característico, e quase de regra destas cozinhas, encontram-se os escanos, feitos de madeira e colocados à roda da lareira para as pessoas se aquecerem, comerem ou seroarem, nas noites de Inverno. Os escanos são bancos compridos, com quatro pés ligados por tábuas, com costas altas e descanso para os braços. As costas podem ser formadas por tábuas unidas ou simplesmente ligadas por travessas. Há-os lisos e com pequenos desenhos geométricos, na parte superior, encontrando-se, no entanto, nas casas mais ricas, escanos com bonitos trabalhados. À volta da lareira vêem-se os potes de ferro ou barro.

Nas traves horizontais, que servem de suporte ao telhado e por cima da lareira, colocam varas das quais dependuram o fumeiro a secar. Encostado às paredes laterais, vêem-se os presuntos e pás dos porcos que, conforme as necessidades, se vão cortando.

 

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GASTRONOMIA

 

O ALMOÇO DA MATANÇA

            Completado o “mata-porco”, os homens, enquanto as mulheres não completam o almoço, jogam a raiola ou as cartas. Se algum membro da família esteve fora da aldeia, é altura de todos, atentamente, lhe ouvirem as suas façanhas “ extraordinárias”, à lareira ou ao sol.

Os panelões de ferro já há muito que estão ao lume. Poucos se lembram dos anos que terão. Passam de geração em geração. Os maiores só nestes dias serviam. Ainda hoje é uma memória dos tempos que não queremos esquecer.

A panela com água e couves e as carnes do degoladouro e do soventre, já ferve abundantemente. As terrinas, com as rodelas de pão cortadas inteiras da fogaça de trigo ou centeio, já estão prontas. É então deitada aquela água e carnes, a ferver, nas terrinas. Rega-se com azeite, e algum alho salpicado. Quando o azeite faltava, era com o unto ou o toucinho derretido. Entretanto, as mulheres chamam o pessoal para a mesa. Os talheres estão postos. Começa-se por comer a sopa bem recheada, temperada com muito azeite, o primeiro prato do almoço.

Tradicionalmente, esta sopa era comida, da mesma terrina, por todos. O melhor vinho caseiro está já nas jarras.

O resto do almoço, as couves, as batatas e o resto do cozido à portuguesa, já ferve, está quase pronto. De seguida vêm as costeletas, o fígado, o chouriço e outras carnes, guisadas com batatas e couves. A azeitona não pode faltar. A refeição continua, numa boa cavaqueira, a sobremesa, geralmente arroz doce, aparecia.

            Terminada a refeição, se o tempo está bom, é hora de fazer os jogos tradicionais. A barra, o fito, a raiola, são os mais apreciados. Com tudo isto, aproxima-se a hora do jantar. Novamente se reúnem à volta da mesa a comer as sobras do almoço ou outros pratos, entretanto confeccionados.

            O serão continua, ora os homens jogando as cartas, ora as mulheres cozendo as tripas, já entretanto lavadas e escaldadas. A noite tem um término. Os familiares vão para suas casas e os da casa sossegam, nas noites frias de Inverno, para no dia seguinte continuarem a sua azáfama de completar a matança do porco.

 

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ARTESANATO

       

            Bemposta, à semelhança de outras aldeias da região, tinha também o seu artesanato.

            Eram conhecidas as cestas e os asnais feitos em vime, para a vindima, as cestas de canasta, vendidas de porta em porta por algumas famílias da aldeia. A olaria foi também, durante muito tempo uma actividade importante.  Esta arte teve uma grande expressão entre as mulheres. Em Bemposta, a última conhecida foi a Sra. Hermínia, chamada a  “Cantareira

Mas a habilidade manual não se limitava a estas actividades. Sempre que havia uma necessidade lá estava a mão do homem a inventar um instrumento para resolver o problema.

A arte de trabalhar o ferro, era possível nas forjas de fole e fornalha. Os pica-portas, os batentes das casas, os apetrechos da lavoura, as facas, as relhas, as machadas, as calagouças, as grades das varandas e muitos dos apetrechos de cozinha, eram feitos pelo ferreiro.

Teve também grande expressão, o fabrico das albardas  e cutralas para os animais de trabalho

Outra actividade que assumiu particular relevo, no artesanato local, era o trabalho em madeira desempenhado pelo carpinteiro. Nesta arte são de notar os desenhos feitos à goiva e a formão, em picados sobre jugos, escanos ou rosáceas concêntricas e flamejantes nas almofadas das portas. É de salientar que as máscaras do chocalheiro, que existiram ao longo dos tempos, foram feitas por artesãos da aldeia, como o Ti Joaquim Santos.

Quando a necessidade era ter a criança sentada junto da mãe ou familiares, lá se construía o “corche”. Quando a necessidade era a criança começar a dar os primeiros passos, lá se construía o carrinho próprio.

São dignos de realce ainda hoje, devido à sua beleza e espectacularidade, os trabalhos realizado por tecedeiras e rendilheiras.

As colchas, os tapetes, as mantas, os sacos, os alforges e até os lençóis de linho eram primorosamente tecidos em teares particulares.

            É nas cobertas ou colchas e tapetes, que mais se encontra a arte da tecedeira, evidenciada por lisas carapinhas de vincos coloridos, desenhos azuis, vermelhos, amarelos, roxos, lírios brancos e pretos, numa combinação simples, ingénua e agradável. Assim, dá largas à sua fantasia, variando de motivos e usando as diversas cores, matizando-as. É no bordado da toalha e do lençol que a inspiração estética feminina põe mais cuidado e mais carinho.

            Actualmente, na aldeia, só se tem dado continuidade aos trabalhos de tecelagem e renda. A Sr.ª Lurdes Flores continua com o seu tear a funcionar e nos seus tempos livres, que são poucos, faz nascer novas obras. As rendas fazem-se um pouco por toda a aldeia, tendo muita procura

 

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OS POMBAIS

 

Qualquer viajante que se dirija para a aldeia, descobre, espalhados pelo campo, pequenas casas redondas, pintadas de branco, com apenas uma janela/postigo e com buracos, num dos lados do beiral, são os pombais.

            Encontram-se nos sítios mais diversificados. Mas a maior parte está localizado nas proximidades da aldeia, para mais facilmente alimentar as pombas e até guardá-las.

Mas, qual a função dos pombais? São mais uma das artimanhas/armadilhas inventadas pelo homem para capturar as belas pombas que esvoaçam livremente nos campos. O homem desejoso de saborear e aproveitar o que a natureza lhe fornece, decide simular um abrigo para as incautas aves.

Habituadas, as pombas, a bom abrigo, aí constroem os seus ninhos e aí, um dia, pela noite, vêem fechar-se as saídas. Estão presas e serão agarradas para servir de alimento. Foram assim os pombais uma fonte de carne para povoações cujas necessidades agudizaram o espírito e uma forma de contornar a lei, que estipulava as datas de caça e os meios empregues. De Maio a Setembro é o “açougue” da família.

            O lavrador, porque sabe que o dia de amanhã existe, faz o ataque ao pombal tendo sempre em conta o equilíbrio da espécie.

            Abrigam-se também nos pombais os estorninhos que, como as pombas, serão, um dia, o prazer das mesas da aldeia.

            Têm ainda as pombas outra função, que é a de serem fonte de produção de pombinho, ou seja, estrume. É que o lavrador vai colocando no chão dos pombais camadas de palha que receberão os ingredientes necessários ao melhor e mais barato estrume, o natural.

 

            Se na região existem dois tipos de pombais, ambos arredondados, mas sendo uns de forma cilíndrica e outros parecidos com ferraduras, em Bemposta só existem <pombais em forma de ferradura.

            As saídas das pombas estão quase sempre voltadas a sul e no caso dos pombais com forma de ferradura é para este lado que se encontra virada a parede plana. 

            As paredes, feitas com pequenos pedaços granito e barro, são bastante grossas (dois palmos) e são estucadas e pintadas de branco.

            A grossura das paredes tem uma razão de ser, a necessidade de suportar o telhado. A cor é visível a longa distância por destoar com a paisagem, o que torna a sua percepção pelos pombos, mais fácil.

            A cobertura assenta sobre traves transversais de madeira (carvalho) e ripas, que suportam as telhas de barro. As traves são incrustadas a uns 50 cm do cimo da parede virada a norte e a uns 5 cm na virada a sul. Assim se consegue uma inclinação de 35% permitindo um bom escoamento das águas e da neve.

            A parte das paredes que fica acima da cobertura do telhado é coberta por pedra, formando um beiral em toda a volta, o beiral de cima. O espaço do telhado, cujos limites são as paredes do beiral de cima, forma o beiral de baixo.

            Para que as telhas fiquem seguras, são-lhe colocadas por cima pedras pintadas de branco que ao longe parecem pombas e que funcionam como chamariz.

            Na parede virada a sul, abre-se a porta, que fica a uns 70 cm do chão e no seu meio. Não é uma porta muito pequena, é quase um quadrado, com um metro de lado. É por esta porta que, esporadicamente, é servido o alimento às pombas, sobre uma mesa circular de pedra, colocada a mais ou menos um metro do chão, que fica ao centro do pombal.

            A razão de ser da mesa é explicada pelo uso dado ao chão, que é a plataforma para a formação do estrume.

            Na parte interior da parede existem buracos onde as pombas fazem os ninhos, que chegam a atingir um número que ronda as três centenas. Por isso, os “borrachinhos” (pombos pequenos) são um dos alimentos preferidos da população.

            A entrada das pombas faz-se por buracos abertos na parede virada a sul e próximo do beiral de baixo. Também existem pombais nos quais as pombas entram por brechas deixadas ficar aquando da justaposição das telhas no telhado.

Mas os pombais também estão sujeitos a inimigos. Para lá dos roubos, as ratazanas as doninhas e até as corujas podem ser elementos que vão fazendo desaparecer as pombas.

Porém, o saber de experiência feito, levou a descoberta de certas “ fumaças” de ervas ( fiolho, trevisco e outras) e enxofre, pedaços de borracha, ou até cascos de macho ou burras, que pelo seu cheiro intenso afugenta aqueles animais.  Diz-se até que um sapo, dentro do pombal, espanta ou come as doninhas

 

       

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FEIRAS

  

Se hoje as feiras são, em oposição aos hipermercados, uma forma mercantilista do terceiro mundo, no passado as feiras terão nascido da necessidade de promover a troca de produtos entre os homens e representavam o ponto de contacto entre o produtor e o con­sumidor. Era o ponto onde se concentrava a vida mercantil de uma época, em que a circulação das pessoas e das mercadorias era dificultada, pela falta de comunicações, pela pouca segurança das jornadas e pelo excesso de portagens e pesagens.

             De um modo geral, as feiras antigas realizavam-se intramuros, isto é, den­tro de uma povoação, ou dentro das muralhas do castelo, quando o havia. Em Portugal, a primeira feira realizou-se em 1299. Organizava-se três vezes por ano. As primeiras feiras realizavam-se em épocas relacionadas com festas da igreja ou outras cerimónias de culto religioso: na Páscoa, Corpo de Deus, S. Pe­dro, S. Miguel, São Bartolomeu, etc. Na altura das feiras havia uma paz especial, a chamada “paz da feira”, ou paz do mercado, que proibia hostilidades, disputas ou vinganças, havendo penas muito duras para quem transgredisse. Não faltavam, na altura, os mais variados divertimentos: bailes, tabernas, comes e bebes, folias e jogos de azar. Havia feiras e feiras francas. A partir do reinado de D. João I, generalizaram-se as feiras francas. Nestas, e para que a afluência fosse maior, concediam-se aos feirantes e compradores, isenção de pagar certos impostos, como portagens e costumagens e, só se pagava meia sisa.

            Como se disse nas origens, o primeiro documento que se conhece sobre a criação de feiras no Douro, como forma de estimular a defesa da fronteira, data dos fins do séc. XIII, no reinado de D. Dinis.

Nestas feiras, o rei assegurava protecção a todos os que viessem comprar ou vender. Quem fizesse mal, ou roubasse aos feirantes, pagaria 6.000 soldos à coroa e o dobro do que ti­vesse tirado aos seus donos.

 Vários reis foram confirmando e expandindo as feiras e confirmando os seus privilégios.

            No século XV, as feiras do Planalto Mirandês animaram-se com os feirantes Castelhanos, sobretudo em Miranda do Douro. D. João I criou aqui feira franca mensal, nos três primeiros dias de cada mês, tornou a vila couto de homilias e obrigou os viandantes a passar no porto da vila.

            Mais tarde, D. Afonso V aprova a vinda de mercadores estrangeiros, com panos e mercadorias de Castela, nos primeiros cinco dias de cada mês, não pa­gando dízima nem sisa do que vendessem dentro da vila.     

            Assim, constata-se que existiam sapateiros, cardadores, tecelões, curtidores de peles, fabricantes de cortiça, fabricantes de linho e de lã, latoeiros, oleiros, ferrei­ros, lavradores e carpinteiros (que, para além dos trabalhos da habitação, faziam carros de bois e utensílios agrícolas).

            Existindo artesãos e feiras,  pode pensar-se que seria nessa al­tura, o produto do trabalho daqueles a estar presente nas feiras.

            Era hábito, na Idade Média, cortar a semana laboral ao meio, geralmente às quintas-feiras, reservando-as para o mercado, mais tarde, as feiras passaram a ter dia fixo no mês.

            A partir dos finais do séc. XV, algumas feiras vão definhando, até porque deixam de ser os exclusivos centros de comércio urbano. No entanto, actualmente, ainda se realizam várias feiras.

             Bemposta teve, em tempos, feira de produtos agrícolas e de animais. Face à periferidade da sua localização foi perdendo feirantes, o que levou à sua extinção. Nos anos 60, com o desenvolvimento populacional e comercial da barragem, voltou a ser instituída. Porém, por pouco tempo, face à centralidade das feiras de Tó (11 de cada mês) e de Sanhoane (29 de cada mês), onde, a par dos animais, se vendiam outros produtos.

            Contudo, apesar da industrialização ter levado ao quase desaparecimento dos teares, era nestes que se mandavam fazer os cobertores, as mantas, os sacos de lã ou linho, as colchas e outros utensílios, para uso pessoal ou para vender aos vendedores de panos e mantas caseiras, em oposição aos “ panos de fábrica”.    

Hoje, são os tendeiros e feirantes ambulantes.

 

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LENDAS

 

A Lenda do encanto da fonte de S. Pedro

 

Antigamente, nas noites de Inverno, reuniam-se grupos de mulheres em fornos, ou em casa, onde faziam as meias de lã para os familiares. Eram os fiadeiros.

             Uma noite em que o grupo estava reunido, aparece-lhe lá uma linda menina. Dizia que era moura. Então contou que estava encantada, numa fonte chamada fonte de S. Pedro. Perguntou se havia alguma que fosse capaz de quebrar o encanto. Uma das mulheres lá disse que seria ela capaz. Então, a menina disse-lhe o que devia fazer. 

            Devia ir ao local da fonte, à meia-noite, 3 vezes seguidas e cada noite sairia um animal, mas que ela não tivesse medo. Era naqueles animais que ela estava encantada.

            Na 1.ª noite, a mulher lá foi e saiu-lhe um boi. O boi era bravo, mas ela não teve medo. Dali a pouco desapareceu e a mulher foi-se embora. Na 2.ª noite saiu-lhe outro animal de que ela também não teve medo. Na 3.ª noite saiu-lhe uma serpente que, bufando, se lhe enroscou e lhe ia dar um beijo. Mas, a mulher assustou-se e disse: “ai valha-me Deus”. A cobra desapareceu e ouviu-se uma voz,” por pouco não me quebraste o encanto”.

             Diz-se que quem conseguir desencantar a menina ficará rico.

 

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FOLCLORE

       

Os Pauliteiros de Bemposta

(ver filme apresentação)

 

 Também em Bemposta, influenciada pelos costumes do planalto Mirandês, existiu um rancho de pauliteiros e mais tarde de pauliteiras, que está, por agora, inactivo.

Como forma de animar os dias festivos e, na falta de banda de música ou outra forma de “ dar música”, em muitas aldeias foram criados ranchos folclóricos. Sempre que era necessário pedir a esmola para os Santos e festividades, ou acompanhar as procissões, muitas vezes, recorria-se aos pauliteiros.

De acordo com a sua história, quando pediam esmola, as danças eram executadas conforme o tipo de esmolas. Se a esmola era avultada, tinham direito à dança completa, “ posso em quatro ruas”. Se a esmola era pequena, então, a dança era só meia, isto é, “executada em duas ruas”

 Pensa-se que, em Bemposta, já em 1912 haveria um rancho, dado que alguns homens, como um tal Alberto Curralo e um tal Pascoal, homens de avançada idade, já dançavam os paus. Este rancho era só constituído por homens, pois não era permitido ser de mulheres ou misto.

O grupo de pauliteiros é constituído por 8 elementos, quatro guias e quatro peões.

A função dos guias é conduzir o desenrolar da dança, permanecendo quase sempre no mesmo lugar, girando apenas sobre si. Já os peões são aqueles que têm que se deslocar durante toda a dança, indo ao batimento dos paus nos guias.

“As danças desenrolam-se, todas elas, com os elementos colocados em duas filas”

Quanto ao vestir, “os dançadores vestiam saia, camisa branca de linho, colete preto enfeitado com cordões de ouro ou a sua imitação, meia branca de renda feita de algodão, até ao joelho, xaile pelas costas dobrado em triângulo e atado à frente do pescoço, todo ele enfeitado com fitas tendo no topo frontal um grande penacho”.

Os sapatos eram os de uso comum da época.

“ A saia era feita com lenços iguais aos que as mulheres usavam pela cabeça, para se cobrirem, geralmente escolhidos de cores garridas. Estes lenços eram atados à cinta, por meio de um cinto vulgar de cabedal”.

 Por baixo destas saias usavam calças arregaçadas, por cima do joelho, tipo calção curto, e atadas às pernas para que durante a dança não caíssem.

Toda a outra indumentária tinha vários adereços, conforme as necessidades do dançador.

Para lá de dois paus, o dançador usava também um par de castanholas em cada mão.

Os restantes complementos são iguais aos usados pelos Pauliteiros de Miranda.

Quanto aos laços, ou passos de dança, era tocados ou danças sem serem cantados. Mas todos eles têm subjacente uma letra própria.

Entre as letras mais conhecidas e cantadas em Bemposta, contam-se: a Bitcha, Meia Dança, D. Rodrigo, o Prim, o Vinte e Cinco, As campanitas, Laranjeira, o Castelo, as pombinhas da Catrininha, os Ofícios, a Esmola, Juan António (Padre António), a Taira, o Vira e o Fado.

 

As Pauliteiras de Bemposta

 

Como as saudades de um tempo passado eram grandes e a renovação cultural voltou a ser uma marca das populações, em 1980, alguns dos antigos dançadores, entre eles, o sr. Artur Líbano, tiveram a feliz ideia de reconstituir os Pauliteiros de Bemposta. Na impossibilidade de motivar os rapazes, e contra a tradição, foi criado o rancho das Pauliteiras, “ raparigas cheias de vontade de aprender e continuar no tempo o estilo de dança dos seus antepassados”. Só os instrumentos continuavam a ser tocados pelo sexo masculino. Houve algumas dificuldades financeiras. Mas com a ajuda dos dirigentes da Casa do Povo, foi possível dar asas a este projecto. Ficou conhecido como “ Grupo de Pauliteiras da Casa do Povo de Bemposta – Mogadouro”. Tendo bandeira própria.

 Na festa de Santa Bárbara, em 1980, foi realizada a sua primeira actuação. Seguiram-se outras actuações em vários locais do distrito.

Este grupo de Pauliteiras teve o cuidado de manter o mais possível a tradição, quanto à vestimenta. Apenas as saias deixaram de ser feitas de lenços, e passaram a “ser feitas de um pano de cor azul escura, debruadas na sua parte fundeira, com duas faixas de veludo de cor vermelha.

Esta forma de vestir aproxima-se bastante dos antigos saiotes de burel que as mulheres usavam antigamente.

As calças arregaçadas, utilizadas pelos antigos dançadores, por baixo da saia, foram substituídas por calções de perna alongada até junto do joelho.


 

Pauliteiros: Origens e Fundamentos Históricos  

 

 “Um dos patrimónios artísticos e culturais mais típicos de Terras de Miranda é, sem dúvida, o seu folclore, com as suas danças de Pauliteiros.

Notícias da história dão os pauliteiros originários dos povos indo-europeus, que se disseminaram pela Europa Central, da Escandinávia à Península Ibérica.

Vieram, depois, os celtiberos e deram um ar da sua graça, substituindo as originais espadas pelos actuais paus.

Apetrecham-se as mãos com as armas dos tempos mais modernos. Os paulitos chamam-se palotes e os dedos têm o complemento das castanholas, para a música de fecho do lhaço.

Porém, a origem da dança dos pauliteiros não recebe unanimidade dos estudiosos que sobre ela se debruçaram. O P.e João Manuel de Almeida Morais Pessanha e outros autores atribuem a sua origem à clássica dança pírrica, guerreira por excelência. A dança mirandesa dos paulitos teria origem na dança pírrica dos Gregos, mas manifesta também vestígios de danças populares do sul de França e na dança das espadas dos Suíços na Idade Média. Os romanos seriam os responsáveis pela propagação da dança pírrica a esta região.

            O Dr. José Leite de Vasconcelos não aceita esta teoria, justificando que a dança introduzida em Roma, e depois espalhada pelo império, nada tinha em comum com a dança pírrica.

Na dança pírrica, os dançantes, com armas e escudos de pau, simulavam o ataque e defesa na batalha, usavam túnicas vermelhas, cinturões guarnecidos de aço e os capacetes dos músicos eram emplumados. Os bailadores colocavam-se em duas filas e dançavam ao som de flauta

            O Abade de Baçal vê muitas semelhanças entre esta dança e a dança dos pauliteiros, tais como a substituição das túnicas pelas saias, o escudo pelo lenço sobre os ombros, os chapéus enfeitados e a utilização da flauta pastoril. A própria evolução da dança parece ter muitas semelhanças, com várias partes: perseguição, luta, saltos e  dança da vitória. Algumas das mais famosas danças retratam bem essas semelhanças, como seja, o Salto do Castelo (saltos) e o vinte e cinco de roda (dança da vitória).

            Em Espanha, a danza de palos é dançada da Galiza à Extremadura. Segundo o folclorista e musicólogo espanhol Dr. Garcia Matos, teria origem na dança da fertilidade. Outros autores espanhóis  dizem que a dança é de origem medieval.

            O Sr. Dr. António M. Mourinho concluiu que: “trata-se de uma dança comum à Península Ibérica; que há nela tradições militares dos povos autóctones, dos greco-ro-manas, medievais e outras; embora possa ter existido anteriormente, terá vindo com os repovoadores do reino de Leão.

A dança dos paulitos, outrora modalidade étnica mirandesa, assim dita dos pauzinhos (um em cada mão) que os dançarotes usam durante as evoluções coreográficas, só admite homens - 16 na dança completa ou 8 na meia dança.

Há quem veja nos trajes actuais, saias e chapéus enfeitados, coletes e laços de linho, o fato do soldado greco-romano embora estilizado.

Os laços da dança dos Pauliteiros chamam-se em mirandês lhaços. Apesar de actualmente estes lhaços não serem cantados, grande parte deles tem uma letra.

Os diversos bailados que executam chamam-se laços, com um nome especial dado a cada um deles; são dançados ao som do tamboril e da gaita de fole, tangendo ao mesmo tempo castanholas e batendo a compasso, no momento próprio, com os paulitos uns nos outros nas diversas voltas que fazem. É incalculável a presteza que esta dança exige e o efeito coreográfico que produz, daí o entusiasmo delirante com que é recebida em toda a parte.

            Os pauliteiros são os verdadeiros guardiães de um passado longínquo, que ainda integra vivências do quotidiano. Já não são tempos de guerra, com que os idos justificavam as particulares construções musicais, mas repetem-se os lhaços.

            Vestem camisa branca de linho. A saia, chamada enágua, desce sobre as pernas e reforça-se em triplo rendado. O colete é de saragoça e a sobrepor-se ao conjunto está o lenço franjado. As botas são de bezerro, ferradas. Na cabeça, assenta um chapéu preto com penacho de fitas e flores, provavelmente símbolo do perdido elmo romano. Prevalece a lógica, porque tudo indica que se trata de reconstruir um trajo militar greco--romano e uma dança em tudo semelhante ao que os gregos executavam nos cativeiros de César.

            Vieram depois, os celtiberos e deram um ar da sua graça, substituindo as originais espadas pelos actuais paus.

            Apetrecham-se as mãos com as armas dos tempos mais modernos. Os paulitos chamam-se palotes e os dedos têm o complemento das castanholas, para a música de fecho do lhaço.

              Notícias da história dão os pauliteiros originários dos povos indo-europeus, que se disseminaram pela Europa Central, da Escandinávia à Península Ibérica.”


 

  Texto de José Francisco Fernandes, in “ Miranda Yê La Mie Tiêrra”    

       

 

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PROVÉRBIOS

 

Carta a um amigo

 

Andam por aí “alguns a querer que eu seja aquilo que eles são”. Mas, “eu não sou aquilo que os outros são, sou aquilo que as horas amargas me dão lições de filosofia”.

 Pensei muito se deveria “ a palavras loucas, fazer ouvidos moucos”, pois “ o silêncio é de oiro, a palavra prata”, porém, como “ quem cala consente” e “quem não se sente não é filho de boa gente”, dado que “quem não deve não teme”, decidi “aprender até morrer”, pois, “o saber não ocupa lugar”. Claro que, às vezes, “dá Deus nozes a quem não tem dentes”, uma vez que “depressa e bem não há quem”, embora quando “o patrão está fora, é dia santo na loja”, e tudo corre às mil maravilhas. Mas não te esqueças que “ se queres ver a terra arder, é mandar os obreiros e não os ir ver “, pois, embora “cada macaco no seu galho”, “ninguém será bom senhor, senão for bom servidor”, daqui que “assim como vive o rei, vivem os vassalos”.

 Porém, se ”a falar é que a gente se entende”, então “a verdade é como o azeite, vem sempre à tona da água.”. Por isso, “ faz o que eu digo, não o que eu faço” e “ “nunca deixes para amanhã, o que podes fazer hoje”, uma vez que “quem tem boca vai a Roma” e “se bem fizeres a cama, bem te deitas nela”, dado que “todos os conselhos tomarás, mas só o teu seguirás”. Desta forma, deves “guardar que comer, não guardes que fazer”, uma vez que “homem prevenido vale por dois”, contudo, não te esqueças que “quem feio ama, bonito lhe parece” e assim já sabes que “mulher e a sardinha, quer-se da mais pequenina”, pois, “quem vê caras, não vê corações” e “cada um dá o que tem”, por isso, vemos, muitas vezes, “homem velho, mulher nova, filhos até à cova”, mas, dado que “tristezas não pagam dívidas”, “para grandes males, grandes remédios”, pois, quando é “grande nau, grande tormenta”, porém, “candeia que vai à frente, vale por dois”.

Embora saiba que a tua “ ambição cega a razão”, mas, como nas ”brigas de namorados, amores dobrados”, “cá se fazem, cá se pagam”, uma vez que “não é com vinagre que se apanham moscas” e é “de pequenino  que se torce o pepino”, sei que “cada um puxa a brasa à sua sardinha”, pois a “cavalo dado não se olha a dente”, embora, às vezes pense que, “a galinha da vizinha, é sempre melhor que a minha”.

Contudo, verifico que “nem tudo o que luz é ouro”, mas também não é  “uma ovelha má, que põe o rebanho a perder “. Assim, “mais vale prevenir que remediar” e “quem te avisa, tem amigo é”, para que “ao arrendar cantares e ao pagar chorares”, pois sabes que “filho és pai serás, assim como fizeres, assim acharás”, uma vez que “filhos criados, trabalhos redobrados”, tal como “quem tem filhos tem cadilhos, quem não os tem cadilhos tem”,  já que “não há bela sem senão”, embora “quem corre por gosto não cansa”, mas por outro lado, “a cavalo dado não se olha o dente”, uma vez que “ quando nasce um chaguarço, nasce logo um burro para o comer”.

            Assim, chego à conclusão que “quem não trabuca, não manduca” e “ quem tarde se levanta, cedo anoitece”, por isso “a bodas e a baptizados só vão os convidados”. Mas se fores convidado para uma boda, esta “ faz crescer água na boca”, mas, não “tenhas mais olhos que barriga”, pois “para quem é, bacalhau basta”. Começa por “matar o bicho”, pois “a fome é negra” quando já “tenho um ratinho na barriga”, mas como “burro com fome, cardos come”, principalmente se estás “magro que nem um cão”, toma cuidado e não te esqueças que “pão quente, muito na mão e pouco no ventre”, dado que “de grandes ceias estão as sepulturas cheias”, a não ser na ” casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão” e “bem mal ceia, quem come em mão alheia”, daqui que “comer e ralhar é só começar”, por isso toma o conselho “barriga cheia, companhia desfeita”, porque assim “a culpa morreu solteira.”, uma vez que “amigos amigos, negócios  aparte”, pois “quem vai ao mar, avia-se em terra”. Todavia, é “na adversidade é que se vê a amizade” e, “quem não tem cão, caça com gato”, porque assim “devagar se vai ao longe”, uma vez que “Roma e Pavia, não se fizeram num dia” e “a noite é boa conselheira”, tal como “à noite todos os gatos são pardos”, mas como ” a necessidade aguça o engenho”, embora “a ocasião faz o ladrão”, toma cuidado porque “a pressa é inimiga da perfeição” e “à primeira, qualquer cai, à segunda cai quem quer”, mas como “águas passadas não movem moinhos”, faz com que ”água mole em pedra dura, tanto dá até que fura”. Contudo, lembra-te que para “a terra onde fores ter, faz como vires fazer”, pois “ a união faz a força” e “a justiça tarda, mas não falha”, uma vez que “a palavra é de prata e o silêncio é de ouro”.

Para mim ” amigo verdadeiro, vale mais do que dinheiro”, embora tenhas a ideia que “amigos, amigos, negócios à parte”, mas como sei que “amigo, vinho e azeite o mais antigo”, uma vez que “aquele que me tira do perigo, é meu amigo”, embora, as vezes, “burro velho não toma andadura e se a toma, pouco dura”, acredito que não sejas como o “ burro velho, não aprende línguas”, nem “cesto gabado, é cesto estragado”.

 Desta forma, se te convences que de “ tanto se afirmar uma mentira torna-se verdade”, então “ homem prevenido vale por dois”, pois “antes quebrar que torcer”, dado que “ se apanha mais depressa um mentiroso do que um coxo”.

Assim, espero que “Deus escreva direito por linhas tortas”, para que “quem semeia ventos colha tempestades”.  Porém, como “ uma andorinha não faz o ninho”, uma vez que “ tudo se quer no seu tempo e os nabos pelo Advento”, sei que, às vezes, fazes ”uma tempestade num copo de água”, como se “uma gota de água fosse o oceano”. É assim que “pela boca morre o peixe”, pois “as palavras são como as cerejas, vêm umas atrás das outras”, embora “as aparências iludam”, “diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és”.

Contudo, acredito, que as “ vozes de burro não chegam ao céu”, dado que a vida me tem dito que “ mais vale prevenir que remediar” e “ não deixes para amanhã, o que podes fazer hoje”, terei que denunciar as palavras loucas, uma vez que “ de boas intenções está o inferno cheio” e, só assim, poderá “ depois da tempestade, vir a bonança”, dado que “a estupidez não paga imposto”, embora às vezes a “impaciência seja má conselheira “ e “a razão e a verdade fujam quando vêm a disputa”.

             “ Não direi que desta água não beberei”, apesar da “ melhor palavra é a que fica por dizer”, já que “ nem tudo o que luz é oiro” e “ mais vale uma pobreza honrada, que uma riqueza aldrabada”, uma vez que “dinheiro mal ganho, água o deu, água o levou”….

 

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