TALHA NOS CONCELHOS DE MIRANDA, MOGADOURO E VIMIOSO
NOS SÉCULOS XVII E XVIII
Pelo Drº António Rodrigues Mourinho (Junior)
O livro «A TALHA NOS CONCELHOS DE MIRANDA DO DOURO, MOGADOURO E VIMIOSO NOS SÉCULOS XVII E XVIII» foi escrito em duas etapas. A primeira parte ficou pronta em 18 de Julho de 1978 e a segunda parte foi elaborada entre o dia 1 de Novembro de 1 983 e o dia 25 de Janeiro de 1984. A primeira parte diz respeito à talha dos concelhos de Miranda do Douro e Mogadouro nos séculos XVIII e a segunda parte diz respeito à talha nos concelhos de Vimioso no mesmo período.
O livro nasceu do meu interesse pelas coisas do Nordeste, ao qual dediquei sempre muito carinho. O património artístico e cultura do Nordeste é para mim uma preocupação constante, porque gosto de o ver promovido, e para isso e por isso gostaria de o ver mais conservado, mais respeitado, mais desenvolvido.
Temos no nosso património uma grande fonte de cultura. Não precisamos de sair de Trás-os-Montes para fazer trabalhos de História, Etnografia, História da Arte, e outros ramos da cultura.
Foi para mim muito agradável, quando escrevi o livro da Talha, encontrar nomes célebres de escultores, pintores, entalhadores, arquitectos e empreiteiros que podiam ser estímulo muito forte para a nossa juventude actual, neste período em que tanta falta faz dedicar-nos às artes e ofícios.
Ao longo do século XVII aparecem nomes como um Manuel Marcos, de Prado Gatão, povoação do concelho de Miranda do Douro, aqui a uns escassos quilómetros. Era um grande entalhador e escultor. Deixou muitas obras de arte em retábulos espalhadas por essas igrejas. Na Sé catedral, em Fonte de Aldeia, em Uva, no concelho de Vimioso, em Peredo, e em S. Martinho do Peso, no concelho de Mogadouro, há retábulos de muito interesse que se podem comparar às obras de grandes mestres. O nome de um António de Oliveira e de um António Lopes de Sousa, ambos da Torre de Moncorvo, o primeiro pintor, o segundo arquitecto, entalhador e escultor, e mestre de obras religiosas civis e religiosas, são valores que não podemos esquecer no tempo que corre, porque fazem a glória do passado deste cantinho do Nordeste, que por vezes é esquecido e até desprezado. Outro nome que encontramos nas obras de talha é o de Manuel Lopes Matos, de Viseu, um escultor e entalhador de grande craveira, que deixou o seu nome ligado à tribuna do Santíssimo Sacramento no retábulo de Nossa Senhora dos Remédios da Sé Catedral e também ao altar do Santíssimo Sacramento, actualmente do Sagrado Coração de Jesus, as duas obras de grande valor artístico pela sua estrutura arquitectónica e pelo primor da sua ornamentação.
Para a Sé Catedral trabalhou o génio escultor espanhol de fama universal, Gregório Hernandez, da Real Escola de Valladolid, o qual deixou uma obra-prima de incomparável valor artístico no retábulo do altar-mor da Sé Catedral, a melhor obra da Península Ibérica no género, segundo o professor J. J. Martin Gonzalez, da Universidade de Valladolid.
Todos estes escultores marcam uma época bem definida, a chamada época Maneirista, ainda dentro do Renascimento e do Período Clássico.
Já na década de 1680 aparece outro nome que começa em Miranda do Douro uma nova era na arte dos retábulos. É Francisco Álvares, talvez natural de Miranda do Douro, que em 1682-83 executa obra do retábulo de Nossa Senhora da Misericórdia para a Igreja da Misericórdia de Miranda do Douro. Este retábulo é uma obra inovadora, enquanto começa a usar as colunas colúmbricas ou salomónicas, anunciadoras do novo estilo o Barroco Nacional.
Os passos de Francisco Álvares são seguidos por Lourenço Baptista, outro entalhador, talvez natural de Miranda do Douro, que executou o retábulo do altar-mor da Igreja da Misericórdia de Miranda do Douro, no ano de 1693. O mesmo escultor entalhador executou outras obras em Cércio, Fonte de Aldeia, Senhora do Rosário da povoação de S. Pedro da Silva, Ifanes, e Especiosa e outras povoações do concelho de Miranda; Vila Chá da Ribeira, Caçarelhos e Pinelo, do Concelho de Vimioso. Este escultor mantém a estrutura maneirista de característica rectilínea, mas a ornamentação e as colunas são do novo estilo Barroco Nacional. Até à data de 1710-1720 este tipo de retábulos mantém-se em toda a Diocese de Miranda do Douro. A tradição tem muita força.
Depois de 1720 temos os retábulos com forma de pórticos românicos, e em muitos casos temos a mistura desta estrutura com a estrutura maneirista.
O estilo Barroco Nacional tem obras de vulto na Sé catedral. É digno exemplar o majestoso retábulo de Nossa Senhor da Piedade da Sé catedral, construído pelos anos 1720-25, e o retábulo do altar-mor da Igreja de Santa Eufêmia (paroquial) de Duas Igrejas, e também o monumental retábulo d altar-mor da Igreja Paroquial de Vimioso todos dp mesma época, e não sei se não d mesmo ou dos mesmos escultores e entalha dores. Nada podemos dizercom certeza pien por falta de documentos.
O Estilo Joanino tem exemplares digno de apreço nos retábulos de Vila Chá d Barciosa, São Martinho do Peso, Algoso, S. Martinho de Angueira e Caçarelhos (altares -mores) e Sendim (S. José e Nossa Senhora d Rosário). Este estilo entre nós é bastante tardio na sua forma mais nítida, uma vez que ele se confunde com o estilo do segundo período do Barroco Nacional, em muito retábulos espalhados pelos três concelhos até pelos retábulos do território da antiga diocese de Mirandado Douro, hoje diocese de Bragança e Miranda.
Depois de 1760, e com a vinda do estilo 'rocaílle', aparecem muitos entalhadores naturais todos eles de povoações da diocese.
José Fernandes, de S. Martinho de Angueira, executa o retábulo do altar-mor de S. Joanico, no concelho de Vimioso, em 1787. O mesmo escultor trabalha na construção do retábulo do altar-mor da Igreja paroquial de S. Pedro da Silva e da Granja, da mesma paróquia, obras dos anos de 1787 e 1789, respectivamente.
João Rodrigues Bustamante, filho de Damíão Bustamante, executou no ano de 1767 a obra de douramento do retábulo do altar-mor da igreja paroquial de Argoselo.
É provável que o retábulo do altar-mor da capela de Santo Cristo de Caçarelhos fosse executado por um dos entalhadores nomeados, José Fernandes.
Outros nomes de entalhadores, como o de Francisco Xavier Machado, natural de Veigas (Bragança), que construiu o retábulo do altar-mor da Igreja paroquial de Carção, no ano de 1768, ou o nome de Manuel Afonso, natural de Fermentãos (Bragança), que executou a obra do retábulo do altar-mor de Santulhão, em 1798, e outras obras espalhadas pelo concelho de Vimioso não podem esquecer na história da arte dos retábulos. Outro nome de relevo é o de Francisco António da Silva, natural de Mogadouro, que no ano de 1771 executou a obra do retábulo do altar-mor de Urrós, obra de grande valor do estilo `rocaille', pela imponência da sua arquitectura e pela finura da sua ornamentação.
Mas o livro contém o comentário de todos os retábulos (salvo raras excepções) dos três concelhos.
Como conclusão, poderei dizer que o século XVI é um período de Formação para a cidade e diocese de Mirandado Douro. Pensa-se na Sé e recolhem-se fundos para a sua construção. É o período basilar, mas as bases foram muito fortes. O século XVII é o período clássico áureo em que Miranda e o seu território vivem a arte no seu tempo e na sua pureza e grandeza do seu estilo puro e de transição.
Homens de grande valor, como D. Turíbio Lopes e D. Julião de Alva e D. Jerónimo de Meneses, no século XVI, deixam o seu nome de bispos e de Mecenas ligados à história da arte da Diocese. Os cento e trinta anos de período maneirista em Miranda do Douro são cheios de obras que fazem a honra e a glória de uma diocese que não se deixou ultrapassar. Uma diocese que foi nova e inovadora em tudo, mas principalmente no campo da arte.
A partir dos anos oitenta, outro período começa e também este é cheio para a história da arte em Portugal: o Barroco Nacional.
Aqui aparecem também figuras de relevo como D. Manuel de Moura Manuel, e já no século XVIII, D. João Franco de Oliveira e D. João de Sousa Carvalho, autênticos Macenas da arte, pelo interesse e pelos subsídios materiais com que custearam algumas obras de arte na diocese, e, mais tarde, D. Diogo Marques Morato, D. Frei João da Cruz, pelo interesse que mostraram na purificação das obras da arte da Diocese e pelo interesse que tiveram em que a diocese tivesse obras de valor. Todos estes homens, que foram bispos de alta espiritualidade e cultura, nos lembram tempos de ouro da diocese de Miranda do Douro no campo da arte, da cultura e da religiosidade do seu clero e do seu povo.
Miranda mantém-se, hoje, como há trezentos anos. Não será exagero dizê-lo. Os seus monumentos estão purificados e não abandonados. O rio Douro continua a correr transformado em fonte de energia pela técnica industrial moderna, sempre inspirador de progresso. Miranda tem poetas, tem escritores, artesãos, homens de letras, de ciências e homens de comércio. Miranda é ainda a cidade mais Renascentista de Portugal. Miranda é a Florença Transmontana em miniatura.
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