<Cultura de Bemposta - Mogadouro>

*

 

BEMPOSTA

1

ESTUDO E DEFESA DO PATRIMÓNIO ARQUEOLÓGICO

 

 

MUNICÍPIOS DO PLANALTO MIRÂNDES

 

Pelos Drª Maria de Jesus Sanches e  Drº Domingos Marcos

 

     1980 foi o ano consagrado mundialmente o Património e, integrado num programa de sensibilização para a defesa do mesmo, foram concretizados no nosso país diversas acções (exposições, debates públicos, publicações, etc.) que, de certo modo, alertaram consciencializando, um maior número de pessoas para a riqueza colectiva que um grande número de nós desconhecia possuir.

No campo específico do Património Arqueológico, um grande número de iniciativas, tanto a nível nacional como regional e local, se têm vindo a incrementar mas, verdade seja dita, um grande número destas é de criação bem anterior a 1980.

E toda esta movimentação de pessoas, esforços e ideias porque o Património Arqueológico não sendo um bem «estático» mas um documento falante do nosso passado, necessita não só de ser inventariado e preservado como estudado cientificamente divulgando o que dele se conhece.        

Para tal são procurados todos os elementos que concorram para a localização e identificação dos locais de valor arqueológico - inventário de notícias já publicados sobre os locais em questão; inventário de materiais arqueológicos (por ex. moedas, lápides, cerâmica, instrumentos de pedra) guardados em museus ou em casa de particulares; inquéritos às populações locais que, melhor que ninguém, conhecem os ermos das suas terras, etc.

De seguida procede-se à visita aos referidos locais assinalados com vista à localização cartográfica exacta, identificação e descrição dos mesmos.

A tarefa subsequente varia com as características específicas do monumento ou   estação arqueológica (por ex. local de habitação-habitat, de enterramento de defesa, etc) e pode centrar-se ora no restauro e conservação ora no estudo específico de campo-escavação.

Quando os responsáveis por estes trabalhos, os arqueólogos, ou outros órgãos autárquicos(juntas de freguesia,câmaras ou simples interessados) acharem que este ou aquele elementos do Património Arqueológico é representativo em termos de mensagem cultural do nosso passado histórico, poderão propo-lo às instâncias superiores (Instituto    Português do Património Cultural) para sua classificação como imóvel de interesse público, ou como Monumento Nacional.

Estas instituições poderão ou não deferir    a proposta.

Todos estes trabalhos são necessários e imprescindíveis, no entanto, sem a realização de estudos de campo (levantamentos, escavações) e de laboratório (análise dos materiais arqueológicos exumados nas escavações) que contribuirão para a reconstituirão da, «vida específica» de cada local habitado ou  requentado no passado, a tarefa permaneceria incompleta pois congelaria os nossos conhecimentos a parcos e genéricos dados.         

            Esta necessidade de estudo de campo decorre, em última instância, de uma outra - a de amar e preservar o patriinónio, neste caso o Arqueológico. Então é necessário estudá-lo, pois não se pode estimar ou atribuir o      merecido valor àquilo que se desconhece.                  

Os trabalhos de campo são levados a cabo por investigadores (e não antiquários cuja missão ou tarefa é bem diferente desta) versados nesta matéria específica - os arqueólogos.

Nos Municípios do Planalto Mirandês e no que respeita ao estudo do Património Arqueológico tudo se processou como em todo o NE Transmontano - longe dos centros de investigação só contaram até bem recentemente (e salvo raras excepções) com notícias esparsas feitas por jornalistas ou investigadores que de passagem se debruçaram sobre este ou aquele documento, que por uma ou outra razão mais atraía a sua atenção.  Mas, em 1981 a situação mudou para esta região pois foi defenido pela Direcção Regional de Arqueologia da Zona Norte, um programa de inventariação e levantamento integral de todos os locais de interesse arqueológico.

Para tal tarefa foi responsabilizado o Dr. Domingos dos Santos Marcos que em 1982 iniciou o seu estudo no concelho de Mogadouro, em 1983 alargou o mesmo para o concelho de Freixo de Espada à Cinta e Vimioso e no corrente ano centra os seus esforços no de Miranda do Douro.

No concelho de Mogadouro e só para referir as acções de maior destacaremos:

Foram descobertas dez mamoas e mais 14 estações inéditas dos diversos períodos; foram levadas a cabo duas operações de salvamento e recolhidas diversas peças de valor arqueológico; foram classificados como imóveis de interesse público a fraga da Letra em Pena Roias, a fraga do Diabo em Vila dos Sinos, o castelo de Oleiros em Bemposta, o corno do Cunho em Peredo de Bemposta e o solar dos Pimentéis em Castelo tranco.  Mais algumas propostas de classificação estão a ser elaboradas neste momento, abarcando os três concelhos do Planalto Mirardês.

No concelho de Vimioso, assim como nos de Miranda do Douro foram descoberta várias estações também inéditas até ao momento que foram devidamente registadas e esperam a sua publicação da recolha do diverso material há a salientar a descoberta e recolha nos dois concelhos de pedras epigrafadas com uma escrita desconhecida até ao momento na zona (escrita pré-latina ou Ibérica).

Em 1982/83 uma investigadores da área da Pré-história, Dr.ª Maria de Jesus Sanches, ciente da riqueza arqueológica da região, defeniu um programa de investigação cuja finalidade é o estudo da ocupação pré-histórica do NE Transmontano, na zona confiante com o Douro internacional.

Assim, e de colaboração com o Dr. Domingos Marcos procedeu ao início das escavações (1 a 1 5 de Setembro de 1983) num pré-histórico atribuído em termos genéricos ao início da Idade doo, Bronze e localizado no local do Cunho, freguesia de Peredo de Bemposta, concelho de Mogadouro.

      As escavações foram financiam exclusivamente pelo Fundo de Apoio aos Organizadores Juvenis (Delegação de Bragança) e pela Câmara Municipal de Mogadouro, entidades que desde a primeira hora, se mostraram abertas e colaborativas a esta iniciativa e às quais agradecemos, além do resto, pela atitude e pelo gesto impulsivo que nos deram; aliás sem a sua colaboração não poderíamos ter iniciado os trabalhos.

Nas escavações colaboraram ainda jovens da Escola Secundária de Mogadouro aos quais dirigimos também o nosso agradecimento e o voto de que, juntos contribuamos para o salvamento da arqueologia da sua/nossa região.   Aliás, as escavações pretendem também ser uma escola aberta, um local formativo onde os jovens aprendam técnicas de trabalho de campo, onde sintam que o seu esforço, embora não remunerável em termos financeiros, contribuirá para um objectivo válido para toda a comunidade – o do estudo das suas raízes culturais, neste caso bem remotas.

No povoado pré-histórico do Cunho foram localizadas duas «cabanas» encaixadas entre penedos e cujas paredes exteriores eram feitas de troncos de árvores (descobertos buracos onde estes assentavam) e revestidos (ou calafetadas) com barro.

Uma delas possuía uma lareira numa das extremidades.

Do seu interior foi exumada uma grande        variedade de material arqueológico (ou utensílios) centenas de fragmentos cerâmicas dos quais reconstituímos alguns recipientes, instrumentos líticos (percutores, machado polido, ponta de seta em xisto) e um instrumento metálico de cobre - um punção.

No corrente ano e desde 13 de Agosto a 20 de Setembro prosseguiram os trabalhos neste habitat onde foram localizados e estudados mais vestígios de unidades de habitação, ajudando assim a definir a extensão do povoado.   A finalidade última será a reconstituição da «vida» economico-social das populações que aí se implantaram.

No Verão de 1983 e nas imediações do povoado do Cunho, foi localizado um outro habitat, o do Barrocal Alto.

Visto este povoado apresentar semelhanças em termos de materiais arqueológicos (cerâmica, machados) com o do Cunho, admitimos a sua provável relação e até talvez contemporaneidade.  Para comprovarmos ou não tal pressuposto já este Verão foi dado início a escavações nesse local.

Os trabalhos contaram com o apoio financeiro do Instituto Português do Património Cultural, da Câmara Municipal de Mogadouro e do Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis.

Contamos com a criação, em breve, de um Museu em Mogadouro que guarde e exponha divulgando os materiais arqueológicos que o concelho possuir.

seta.jpg (1059 bytes)[ Home Bemposta ]

 

 

 

 

 

 

 

 

2

  

 TALHA NOS CONCELHOS DE MIRANDA, MOGADOURO E VIMIOSO

NOS SÉCULOS XVII E XVIII

Pelo Drº António Rodrigues Mourinho (Junior)

O livro «A TALHA NOS CONCELHOS DE MIRANDA DO DOURO, MOGADOURO E VIMIOSO NOS SÉCULOS XVII E XVIII»  foi escrito em duas etapas.  A primeira parte ficou pronta em 18 de Julho de 1978 e a segunda parte foi elaborada entre o dia 1 de Novembro de 1 983 e o dia 25 de Janeiro de 1984.  A primeira parte diz respeito à talha dos concelhos de Miranda do Douro e Mogadouro nos séculos XVIII e a segunda parte diz respeito à talha nos concelhos de Vimioso no mesmo período.

O livro nasceu do meu interesse pelas coisas do Nordeste, ao qual dediquei sempre muito carinho.  O património artístico e cultura do Nordeste é para mim uma preocupação constante, porque gosto de o ver promovido, e para isso e por isso gostaria de o ver mais conservado, mais respeitado, mais desenvolvido.

Temos no nosso património uma grande fonte de cultura.   Não precisamos de sair de Trás-os-Montes para fazer trabalhos de História, Etnografia, História da Arte, e outros ramos da cultura.

Foi para mim muito agradável, quando escrevi o livro da Talha, encontrar nomes célebres de escultores, pintores, entalhadores, arquitectos e empreiteiros que podiam ser estímulo muito forte para a nossa juventude actual, neste período em que tanta falta faz dedicar-nos às artes e ofícios.

Ao longo do século XVII aparecem nomes como um Manuel Marcos, de Prado Gatão, povoação do concelho de Miranda do Douro, aqui a uns escassos quilómetros.  Era um grande entalhador e escultor.  Deixou muitas obras de arte em retábulos espalhadas por essas igrejas.  Na Sé catedral, em Fonte de Aldeia, em Uva, no concelho de Vimioso, em Peredo, e em S. Martinho do Peso, no concelho de Mogadouro, há retábulos de muito interesse que se podem comparar às obras de grandes mestres.  O nome de um António de Oliveira e de um António Lopes de Sousa, ambos da Torre de Moncorvo, o primeiro pintor, o segundo arquitecto, entalhador e escultor, e mestre de obras religiosas civis e religiosas, são valores que não podemos esquecer no tempo que corre, porque fazem a glória do passado deste cantinho do Nordeste, que por vezes é esquecido e até desprezado.  Outro nome que encontramos nas obras de talha é o de Manuel Lopes Matos, de Viseu, um escultor e entalhador de grande craveira, que deixou o seu nome ligado à tribuna do  Santíssimo Sacramento no retábulo de Nossa Senhora dos Remédios da Sé Catedral e também ao altar do Santíssimo Sacramento, actualmente do Sagrado Coração de Jesus, as duas obras de grande valor artístico pela sua estrutura arquitectónica e pelo primor da sua ornamentação.

Para a Sé Catedral trabalhou o génio escultor espanhol de fama universal, Gregório Hernandez, da Real Escola de Valladolid, o qual deixou uma obra-prima de incomparável valor artístico no retábulo do altar-mor da Sé Catedral, a melhor obra da Península Ibérica no género, segundo o professor J. J. Martin Gonzalez, da Universidade de Valladolid.

Todos estes escultores marcam uma época bem definida, a chamada época Maneirista, ainda dentro do Renascimento e do Período Clássico.

Já na década de 1680 aparece outro nome que começa em Miranda do Douro uma nova era na arte dos retábulos. É Francisco Álvares, talvez natural de Miranda do Douro, que em 1682-83 executa obra do retábulo de Nossa Senhora da Misericórdia para a Igreja da Misericórdia de Miranda do Douro.  Este retábulo é uma obra inovadora, enquanto começa a usar as colunas colúmbricas ou salomónicas, anunciadoras do novo estilo o Barroco Nacional.

Os passos de Francisco Álvares são seguidos por Lourenço Baptista, outro entalhador, talvez natural de Miranda do Douro, que executou o retábulo do altar-mor da Igreja da Misericórdia de Miranda do Douro, no ano de 1693.   O mesmo escultor entalhador executou outras obras em Cércio, Fonte de Aldeia, Senhora do Rosário da povoação de S. Pedro da Silva, Ifanes, e Especiosa e outras povoações do concelho de Miranda; Vila Chá da Ribeira, Caçarelhos e Pinelo, do Concelho de Vimioso.  Este escultor mantém a estrutura maneirista de característica rectilínea, mas a ornamentação e as colunas são do novo estilo Barroco Nacional.   Até à data de 1710-1720 este tipo de retábulos mantém-se em toda a Diocese de Miranda do Douro.  A tradição tem muita força.

Depois de 1720 temos os retábulos com forma de pórticos românicos, e em muitos casos temos a mistura desta estrutura com a estrutura maneirista.

O estilo Barroco Nacional tem obras de vulto na Sé catedral. É digno exemplar o majestoso retábulo de Nossa Senhor da Piedade da Sé catedral, construído pelos anos 1720-25, e o retábulo do altar-mor da Igreja de Santa Eufêmia (paroquial) de Duas Igrejas, e também o monumental retábulo d altar-mor da Igreja Paroquial de Vimioso todos dp mesma época, e não sei se não d mesmo ou dos mesmos escultores e entalha dores.  Nada podemos dizercom certeza pien por falta de documentos.

O Estilo Joanino tem exemplares digno de apreço nos retábulos de Vila Chá d Barciosa, São Martinho do Peso, Algoso, S. Martinho de Angueira e Caçarelhos (altares -mores) e Sendim (S.  José e Nossa Senhora d Rosário).   Este estilo entre nós é bastante tardio na sua forma mais nítida, uma vez que ele se confunde com o estilo do segundo período do Barroco Nacional, em muito retábulos espalhados pelos três concelhos até pelos retábulos do território da antiga diocese de Mirandado Douro, hoje diocese de Bragança e Miranda.

Depois de 1760, e com a vinda do estilo 'rocaílle', aparecem muitos entalhadores naturais todos eles de povoações da diocese.

José Fernandes, de S. Martinho de Angueira, executa o retábulo do altar-mor de S. Joanico, no concelho de Vimioso, em 1787.  O mesmo escultor trabalha na construção do retábulo do altar-mor da Igreja paroquial de S. Pedro da Silva e da Granja, da mesma paróquia, obras dos anos de 1787 e 1789, respectivamente.

João Rodrigues Bustamante, filho de Damíão Bustamante, executou no ano de 1767 a obra de douramento do retábulo do altar-mor da igreja paroquial de Argoselo.

É provável que o retábulo do altar-mor da capela de Santo Cristo de Caçarelhos fosse executado por um dos entalhadores nomeados, José Fernandes.

Outros nomes de entalhadores, como o de Francisco Xavier Machado, natural de Veigas (Bragança), que construiu o retábulo do altar-mor da Igreja paroquial de Carção, no ano de 1768, ou o nome de Manuel Afonso, natural de Fermentãos (Bragança), que executou a obra do retábulo do altar-mor de Santulhão, em 1798, e outras obras espalhadas pelo concelho de Vimioso não podem esquecer na história da arte dos retábulos. Outro nome de relevo é o de Francisco António da Silva, natural de Mogadouro, que no ano de 1771 executou a obra do retábulo do altar-mor de Urrós, obra de grande valor do estilo `rocaille', pela imponência da sua arquitectura e pela finura da sua ornamentação.

Mas o livro contém o comentário de todos os retábulos (salvo raras excepções) dos três concelhos.

Como conclusão, poderei dizer que o século XVI é um período de Formação para a cidade e diocese de Mirandado Douro.  Pensa-se na Sé e recolhem-se fundos para a sua construção. É o período basilar, mas as bases foram muito fortes. O século XVII é o período clássico áureo em que Miranda e o seu território vivem a arte no seu tempo e na sua pureza e grandeza do seu estilo puro e de transição.

Homens de grande valor, como D. Turíbio Lopes e D. Julião de Alva e D. Jerónimo de Meneses, no século XVI, deixam o seu nome de bispos e de Mecenas ligados à história da arte da Diocese.  Os cento e trinta anos de período maneirista em Miranda do Douro são cheios de obras que fazem a honra e a glória de uma diocese que não se deixou ultrapassar. Uma diocese que foi nova e inovadora em tudo, mas principalmente no campo da arte.

A partir dos anos oitenta, outro período começa e também este é cheio para a história da arte em Portugal: o Barroco Nacional.

Aqui aparecem também figuras de relevo como D. Manuel de Moura Manuel, e já no século XVIII, D. João Franco de Oliveira e D. João de Sousa Carvalho, autênticos Macenas da arte, pelo interesse e pelos subsídios materiais com que custearam algumas obras de arte na diocese, e, mais tarde, D. Diogo Marques Morato, D. Frei João da Cruz, pelo interesse que mostraram na purificação das obras da arte da Diocese e pelo interesse que tiveram em que a diocese tivesse obras de valor.  Todos estes homens, que foram bispos de alta espiritualidade e cultura, nos lembram tempos de ouro da diocese de Miranda do Douro no campo da arte, da cultura e da religiosidade do seu clero e do seu povo.

Miranda mantém-se, hoje, como há trezentos anos.   Não será exagero dizê-lo.  Os seus monumentos estão purificados e não abandonados.  O rio Douro continua a correr transformado em fonte de energia pela técnica industrial moderna, sempre inspirador de progresso.  Miranda tem poetas, tem escritores, artesãos, homens de letras, de ciências e homens de comércio.  Miranda é ainda a cidade mais Renascentista de Portugal.  Miranda é a Florença Transmontana em miniatura.

 

seta.jpg (1059 bytes)[ Home Bemposta ]