A festa de
Nossa Senhora dos Prazeres foi instituída no primeiro domingo a seguir à Páscoa,
a Pascoela. Porém, como a vida contemporânea tem as suas exigências produtivas,
a disponibilidade para a coesão social transformou-se. A diáspora bempostense
espalhou-se por diversos locais do planeta. Era necessário encontrar uma forma
de voltar a unir os conterrâneos e familiares. Assim, nos anos 60, foi decidido
mudar a festa de Nossa Senhora dos Prazeres, para o 2º Domingo de Agosto, tempo
de férias estudantis e fabris nas grandes cidades e países de acolhimento. Esta
festa, apesar da mudança temporal, mantém o mesmo ritual de outros tempos.
Os mordomos,
nomeados no dia de S. Pedro, iniciam pouco depois como organizar a festa
familiar da aldeia. Definem-se e distribuem-se os trabalhos pelos mordomos.
Projecta-se o orçamento em função dos peditórios dos anos anteriores e da
previsibilidade de receitas extras. Feitos os contactos e os contratos,
elabora-se um rico programa de actividades. Cada grupo de mordomos nunca quer
ficar atrás dos seus antecessores. Ao longo do ano, organizam-se torneios de
jogos e outras actividades, como forma de angariar mais alguns
tostões/cêntimos, para lá da “esmola” dada por cada uma das casas dos
proprietários ou individualmente.
Noutros
tempos, quando o poder económico destas gentes não era para excessos ou folias,
a festa profana tinha as suas limitações. O peditório, pelas famílias, nunca foi
muito abundante para o orçamento. Mas era uma animação para os adultos e
crianças. Propiciavam divertimentos e sinais de abastança espontâneos,
reafirmando o todo social. Por outro lado, toda a criança ansiava pela festa de
Nª S.ª dos Prazeres, pois era a altura de receber uns trocos, para comprar uns
doces e um licor nas doceiras, que frequentavam as festas. Para quem viveu
antes, ou nos finais dos anos 50 e princípio de 60, lembra-se de, nestes dias,
receber 5$00 ou 10$00, e ser a maior prenda, pois dava para fazer as tais
extravagâncias, ou excessos, que não se podiam ter ao longo do ano. Não havia o
sentido comercial estereotipado e extrínseco que há hoje. Era também, neste dia,
que se estreava o fato domingueiro ou o melhor vestido. Era, pois, um
acontecimento social, uma vivência colectiva, com origem religiosa.
Nas últimas
décadas, com a emigração e outras diásporas, as festividades adquiriram novas
dinâmicas. A aldeia, por estes dias, já se encheu de gente. Os emigrantes
regressam, por uns dias, ao torrão natal. Os migrantes internos aproveitam para
se juntar também à família. Todos matam saudades uns dos outros. Revivem-se
situações passadas. A aldeia fervilha de acontecimentos. As esplanadas dos cafés
são agora um ponto de encontro e convívio entre conterrâneos e conterrâneos por
afinidade. A aldeia rejuvenesce do marasmo que a percorre na maior parte do ano.
As
festividades, em honra de Nª Sª dos Prazeres, começam a manifestar-se oito dias
antes. Os mordomos iniciam a colocação dos “ arcos” que enfeitam grande parte
das ruas da procissão. Os andores enfeitados e os estandartes são colocados nos
seus lugares, para saírem para a procissão. Hoje, é costume espalhar, por
algumas ruas, altifalantes com música e publicidade permanente, durante os 15
dias que antecedem a festa. Nem sempre este facto respeita o sossego dos
habitantes.
Porém, as
festividades propriamente ditas, iniciam-se no sábado, à tarde/noite, com a
procissão do Senhor dos Aflitos. Muitas vezes, misturam-se os interesses
profanos com os valores religiosos, não permitindo o respeito por estes. À
noite, realiza--se o primeiro arraial, com a animação de um ou dois conjuntos.
No Domingo de manhã, pelo meio-dia, é a vez de transportar o andor de Nossa
Senhora dos Prazeres da capela de S. Sebastião, que é a sua “residência”
permanente, para a Igreja Matriz. Normalmente faz-se esta procissão em silêncio,
intervalada por cânticos religiosos do coro das catequistas ou pela banda de
música.
Todas as
festas tradicionais, como as actuais, constam de duas partes. A religiosa, com a
missa e o sermão seguida de procissão e a parte profana, com os almoços e
jantares abundantes para a família e convidados, assim como os foguetes, a banda
de música, a abrilhantar a missa e a procissão (antigamente até tocava no
arraial) e os conjuntos, que são mais um motivo para um baile animado, quer à
tarde, quer pela noite dentro. Não se podem esquecer as diversas “descargas” de
foguetes.
No Domingo,
feitos os preparativos caseiros, escolhidas as melhores vestimentas (a
apresentação é também um ponto de honra), as famílias preparam-se para a Missa
cantada. A banda de música já deu volta à aldeia a anunciar a festa e fazer os
últimos peditórios. O meio-dia chega. O chefe de família anuncia que são horas
de sair de casa. As ruas começam a encher-se de pessoal, em direcção à Igreja
Matriz. Todos os caminhos vão dar ao largo da Igreja Matriz, lá no alto, junto
ao antigo castelo. Fazem-se alguns cumprimentos e ” põe-se” a conversa em dia. A
sineta anuncia o início da missa. Os padres concelebrantes já estão no altar. Os
primeiros cânticos já ecoam pela nave da igreja. Cada um vai escolhendo o local
de assistência disponível, se ainda existir, ou então busca-se o coro, em
alternativa. Muitos já não têm espaço na Igreja, apesar da sua grandeza. Fica-se
à conversa cá fora.
Dita a missa
e ouvido o sermão, por um pregador especializado, sobre a temática que está em
causa, ou que melhor evangelizará os crentes, chamando ao sentimento de cada um;
os assistentes preparam-se para a procissão em volta da aldeia. No andor de N.
Senhora dos Prazeres, o dinheiro que enfeita as fitas, colocado pelos devotos,
em cumprimento de alguma promessa, é motivo de curiosidade. Se, antigamente,
eram promessas feitas pelos soldados vindos ou ainda no ultramar, em guerra pela
Pátria, pagas em dinheiro ou a rastejar, no final, junto da capela de S.
Sebastião, hoje, são os emigrantes e outros a pagar estas promessas, por alguma
graça concedida.
A procissão
sai para o adro. Organizam-se os andores e estandartes, segundo uma ordem já
tradicional. Os mordomos colocam-se ao lado do andor. Os transportadores estão
já apostos para fazer o andamento ritmado ou livre pelas ruas. Inicia-se a
procissão com os cânticos religiosos. De seguida a banda, dá os seus acordos,
próprios do sagrado momento. As janelas e varandas das casas então engalanadas
com as melhores colchas. Algumas senhoras deitam flores, à passagem do andor de
N.ª Senhora dos Prazeres.
Completada a passagem pelas ruas da procissão, chega-se às Eiras de Baixo e
dirige-se para a capela de S. Sebastião. Aqui, Nª. Sª dos Prazeres é exposta à
adoração. É então altura de fazer a oferta dos bebés, nascidos nesse ano. Os
Mordomos, ao desafio, disputam os bebés ao colo das mães ou familiares.
Oferecidos a Nª Senhora voltam para os braços da mãe. Entretanto, já começaram
os primeiros penitentes a pagar as suas promessas, de joelhos, a pé, ou, também
descalços, são muitos os que querem prestar homenagem a Nª Senhora. Este é um
dos momentos mais emocionantes das festividades. Aqui se continua a manifestar a
religiosidade deste povo.
Terminado o oferecimento, são horas de se dirigirem para casa, onde a dona de
casa já tem o almoço pronto a comer.
Feito o convívio comensal familiar, o café é o ponto de encontro seguinte.
Novos encontros, ainda não feitos, são agora realizados.
Pelas 16/17
horas, o largo da festa recebe os primeiros observadores. Os conjuntos preparam
os seus instrumentos. O bar da festa está pronto a servir os primeiros finos e
tremoços. As rifas, as quermesses estão expostas. Os mordomos fazem a sua
publicidade, incitando à compra. O conjunto inicia os seus melhores acordos para
animar o pessoal. Entretanto, em alguns anos, a vaca/vitela é lançada para o
largo, tapando devidamente nas suas ruas. Os mais valentes tentam a sua sorte.
Pegar a vaca é orgulho da mocidade e até dos menos novos. Os sinais de
fragilidade física humana notam-se nas calças rasgadas ou em algumas escoriações
no corpo. Por fim, cansada a vaca, lá é pegada e encurralada.
A hora do
jantar chegou. Mais um momento de coesão e solidariedade familiar. Pelas 22
horas, os conjuntos retomam a sua função. As ruas são novamente ponto de
encontro. Os automóveis começam a encher os largos e ruas, próximas do largo da
festa. Os forasteiros são também um elemento essencial à qualidade da festa.
Normalmente, é o largo das Eiras de Baixo que assume os festejos, não só pela
sua disposição, como por ficar mais afastado dos cafés da aldeia.
Iniciado o
arraial, a festa prolonga-se até às tantas. Com o sorteio das rifas faz-se uma
pausa.
O fogo de
artifício é outro elemento decorativo e da grandiosidade da festa. A descarga da
meia-noite é por todos esperada com entusiasmo. Mas, o que desperta mais
ansiedade é o fogo preso e a “vaca” de fogo.
Terminadas
estas expectativas, a festa volta a animar-se. Os mais resistentes continuam o
baile pela madrugada adentro.
Mas a festa
não termina pela madrugada. Depois de dois arraiais há, ainda, forças, para um
terceiro. Um dos conjuntos mantém-se. Chegada a tarde de Segunda-Feira, é
novamente o momento de voltar ao local da acção festiva. O conjunto instala-se.
Estão preparados para mais umas horas de folias e alguns excessos. O ritual
mantém-se. Os interditos não fazem, estes dias, parte das vivências. As forças
retemperadoras da convivência foram recuperadas, e espera-se que durem até à
nova festa. Pelas dezasseis horas, inicia-se a corrida da rosca e a festa
anima-se. Agora a festa é dedicada aos artistas, que eram muitos em Bemposta
tradicional.
|